O Comunismo como Significante Vazio: Uma Análise da Interdição do Debate Público no Brasil
I. Introdução: O Problema Central
Nosso objetivo hoje é analisar como a palavra
"comunismo" funciona no debate público brasileiro como um "significante
vazio": um termo esvaziado de seu sentido original e preenchido com
pânicos morais para interditar o debate sobre a desigualdade social.
II. Contexto Histórico: A Origem do Fantasma
A estratégia de utilizar o "fantasma do
comunismo" foi a justificativa para o Golpe de 1964, que derrubou o
governo Jango não por suas ações, mas por suas propostas de Reformas de Base
(agrária, tributária, etc.), vistas como uma ameaça à ordem vigente. E, para os reticentes. Não cabe aqui entrar no mérito deste ou daquele ponto de vista sobre a questão. O objetivo aqui é definir o significado do termo "comunismo" em 2025.
III. A Mecânica do Medo: Desconstruindo a
Propaganda
A propaganda "anticomunista" opera ativando medos
primários e criando falsas equivalências:
- Ameaça à Propriedade: Equipara a taxação de
fortunas à tomada da casa do cidadão comum.
- Ameaça à Religião: Associa direitos humanos a
um "ateísmo de Estado".
- Ameaça à Família: Enquadra pautas de gênero e
sexualidade como um ataque aos "valores tradicionais".
IV. Estudos de Caso: Políticas Públicas Sob Ataque
Políticas
como Bolsa Família, Cotas Raciais e Demarcação de Terras Indígenas foram
sistematicamente distorcidas por essa lente para evitar um debate racional
sobre seus méritos e impactos.
V. O Campo como Epicentro: A Gênese do MST na Tragédia
das Barragens
Vamos
agora mergulhar no coração de um dos dramas sociais que moldaram o Brasil rural
contemporâneo e que está na origem direta do MST. Contrariando a narrativa
simplista, o movimento não brotou de manuais ideológicos importados; ele nasceu
da lama, da água e do concreto de um projeto de desenvolvimento autoritário que
tratou cidadãos como empecilhos.
O
Paradigma Desenvolvimentista da Ditadura: Durante os anos 70, o regime militar operava
sob a lógica do "Brasil Grande". O progresso era medido em megawatts,
em toneladas de soja e em quilômetros de estradas. Nesse modelo, a construção
de gigantescas usinas hidrelétricas era vista como um imperativo para a industrialização
e a segurança energética. A questão humana, o destino das comunidades que
viviam há gerações nas áreas a serem inundadas, era, na melhor das hipóteses,
um dano colateral a ser "administrado".
A
Anatomia da Expropriação: Imaginem a cena, que se repetiu em milhares de propriedades no
oeste do Paraná (Itaipu) e no centro do Rio Grande do Sul (Jacuí). Primeiro,
chegam os técnicos, os topógrafos com seus teodolitos, medindo a "cota de
inundação". Eles representam um Estado distante, falando uma linguagem
técnica e impessoal. Para o pequeno agricultor, o "colono" de origem
italiana ou alemã, cuja identidade estava fundida com aquela terra, aquela
"cota" era uma sentença de morte para seu modo de vida.
O
processo de desapropriação era brutal em sua legalidade fria. O Estado oferecia
uma indenização. Mas que valor era esse? Era o valor da terra nua, um cálculo
frio de hectares. Não se precificava a casa construída com as próprias mãos, o
pomar que levou uma década para produzir, a rede de vizinhança, o cemitério
onde os avós estavam enterrados, a relação de pertencimento. Não se precificava
a perda da autonomia produtiva.
O
"Calote Social": O Dinheiro que Desaparece: O agricultor, muitas vezes
com pouca instrução formal, recebia uma quantia em dinheiro que talvez nunca tivesse
visto. O que fazer com ela? Comprar outra terra? Impossível. A especulação
imobiliária nas áreas adjacentes às barragens inflacionava os preços, tornando
a terra inacessível para quem acabara de ser expulso. O dinheiro, então, se
esvaía: na compra de uma pequena casa na periferia de uma cidade desconhecida,
em um negócio que fracassava, ou simplesmente consumido pela ausência de uma
fonte de renda. O resultado foi um processo massivo de proletarização e
favelização. Famílias autossuficientes foram transformadas em párias urbanos,
sem as habilidades necessárias para competir no mercado de trabalho da cidade.
Foi um calote não apenas financeiro, mas social e existencial.
O
Nascimento da Resistência: Da Vítima ao Protagonista: Foi nesse caldeirão de desespero
e abandono que a semente do MST foi plantada. O gatilho foi a percepção
coletiva de que haviam sido enganados e abandonados pelo mesmo Estado que lhes
tomou tudo em nome do "progresso". A organização começou a tomar
forma com o apoio crucial de agentes externos, como a Comissão Pastoral
da Terra (CPT), um braço da Igreja Católica influenciado pela Teologia da
Libertação, que ofereceu suporte jurídico, logístico e, acima de tudo, um
espaço para que essas famílias compartilhassem suas histórias e descobrissem
que seu drama não era individual, mas coletivo.
O
acampamento da Encruzilhada Natalino (1981) foi o grito de basta. Foi a
transição da condição de vítima passiva para a de agente político. A ocupação
de um latifúndio improdutivo não foi um ato de "terrorismo", como a
propaganda viria a dizer, mas um gesto de desespero e a única tática que lhes
restou para se tornarem visíveis, para forçar o Estado a negociar. A pauta era
concreta, não ideológica: terra para plantar, um lugar para reconstruir a vida roubada
pelas águas da barragem.
Portanto,
quando a elite agrária e seus porta-vozes na mídia rotularam esses agricultores
de "comunistas", eles estavam executando um ato de mágica perversa:
apagaram a história da negligência estatal, da indenização irrisória, da vida
destruída pela barragem, e colocaram em seu lugar a figura de um
"inimigo" ideológico. Foi a forma mais eficaz de impedir que o resto
da sociedade se solidarizasse com a causa justa e concreta desses brasileiros.
VI. Críticas e a Instrumentalização dos
"Excessos" do MST
É crucial, em uma análise acadêmica séria,
reconhecer que um movimento social da magnitude e longevidade do MST não é
monolítico nem isento de erros, contradições e excessos. Ignorar esses pontos
seria ingenuidade. No entanto, o mais importante é entender como esses erros
são instrumentalizados para validar a narrativa do "inimigo interno".
Ações de Destruição e o Ataque ao
"Progresso": Talvez a crítica mais potente contra o MST seja a
destruição de propriedade, especialmente de centros de pesquisa e de cultivos
experimentais (como os de eucalipto ou de transgênicos). Do ponto de vista do
movimento, são atos de protesto contra um modelo de agronegócio que consideram
predatório e excludente. Do ponto de vista da sociedade, no entanto, essas
ações são um presente para a propaganda contrária. Elas fornecem imagens
poderosas e de fácil digestão do movimento como "bárbaro",
"inimigo da ciência" e "destruidor". Essa imagem de
"vandalismo" se sobrepõe a qualquer discussão sobre o mérito da
concentração de terras ou dos impactos dos agrotóxicos, por exemplo.
Confrontos e Retórica Radical: O campo brasileiro é
um ambiente violento, e muitos confrontos são reações à violência de
pistoleiros e da polícia. Contudo, é inegável que, em certos momentos, a
retórica inflamada e as ações de ocupação que geram conflito físico servem para
reforçar a imagem de um movimento violento e radical. A linha entre a
autodefesa e a agressão é constantemente borrada pela cobertura da mídia e pela
propaganda política, que isolam o ato de seu contexto de décadas de luta e
violência latifundiária.
Alinhamento Político e Percepção de Autonomia: A
forte associação do MST com partidos de esquerda, notadamente o PT, embora
estratégica para o movimento, alimenta a acusação de que ele não é uma
organização social autônoma, mas sim uma "massa de manobra" ou o
"braço armado" de um projeto político-partidário. Isso mina sua
legitimidade perante setores da sociedade que desconfiam dessa partidarização.
O ponto central é este: os erros e excessos do MST,
embora reais e criticáveis, não são a causa da oposição a ele. A oposição
fundamental é à sua pauta principal: a Reforma Agrária. Os excessos são, na
verdade, a justificativa perfeita, a munição que a elite agrária e seus aliados
políticos usam para pintar todo o movimento com a tinta da criminalidade,
evitando assim o debate que eles sabem que não podem vencer no campo da justiça
social: por que, em um país com tanta terra agricultável, ainda existem milhões
de famílias sem terra para plantar? É inegável que o MST cometeu erros, como a
destruição de centros de pesquisa. Contudo, esses excessos, embora criticáveis,
não são a causa da oposição ao movimento. Eles são, na verdade, a justificativa
e a munição midiática usadas para validar a narrativa de "inimigo" e,
assim, evitar o debate sobre a real causa do conflito: a concentração de
terras.
VII. Redefinindo o Poder: Do Conceito de
"Elite" à Noção de "Sistema"
Aqui, chegamos a uma observação fundamental, que
refina toda a nossa análise. Usar um termo genérico como "as elites"
é insuficiente. É mais preciso falar de
um sistema de poder, composto por dois subsistemas interligados e que se
retroalimentam: o sistema cultural e o sistema político.
- O
Sistema Cultural como Produtor de "Verdades": Este sistema não é
controlado por um grupo coeso, mas é um conjunto difuso de instituições e
discursos que definem o que é considerado "normal", "bom
senso" ou "natural" em uma sociedade. Nele operam grandes
conglomerados de mídia, partes do sistema educacional, think tanks, o
mercado editorial e certos discursos religiosos. É este sistema que produz
e valida as "verdades" que sustentam a ordem: a de que o
agronegócio é a única forma de "progresso" no campo; a de que a
meritocracia individual existe num vácuo, sem considerar as desigualdades
de partida; e, crucialmente para nossa aula, a de que qualquer política de
redistribuição é um "passo para o comunismo". Ele cria o clima
cultural onde o medo pode florescer.
- O
Sistema Político como Executor da Ordem Cultural: O sistema político traduz
essa "verdade" cultural em poder de Estado. Ele não o faz de
forma neutra. Através de mecanismos como o financiamento de campanhas, o
lobby institucionalizado (a exemplo da "bancada ruralista" no
Congresso), a ocupação de cargos-chave no aparelho estatal e a influência
sobre o sistema judicial, os interesses alinhados à manutenção dessa ordem
cultural se tornam hegemônicos. Este sistema garante que a legislação
proteja latifúndios improdutivos com mais afinco do que o direito à
moradia; que a política tributária onere mais o consumo do que as grandes
fortunas; e que a resposta do Estado a movimentos sociais seja,
frequentemente, a criminalização e a repressão, em vez do diálogo e da
negociação.
Os atores dominantes (sejam eles grandes
empresários, barões da mídia, líderes políticos ou proprietários de terra) não
precisam se reunir para "conspirar". Eles simplesmente operam dentro
da lógica deste sistema interligado, defendendo seus interesses que, por sua
vez, coincidem com a manutenção do próprio sistema. O inimigo não é um grupo de
pessoas, mas uma estrutura de poder que se autoperpetua. A confusão em
torno do "comunismo" é uma das mais eficientes ferramentas de
manutenção produzidas por este sistema.
VIII. O Medo como Ferramenta de um Sistema
Em conclusão, a instrumentalização do medo do
comunismo no Brasil não é apenas um "equívoco" do cidadão médio, nem
uma mera tática de uma "elite" genérica. É uma ferramenta de
gestão cultural e política, produzida e disseminada por um sistema de poder
profundamente arraigado.
Este sistema, que interliga valores culturais e
práticas políticas, utiliza o pânico moral como um mecanismo de defesa para se
proteger de qualquer questionamento à sua lógica interna – uma lógica que
perpetua a concentração de riqueza, terra e poder. Portanto, a tarefa cívica
não é apenas combater a desinformação, mas sim compreender e expor os
mecanismos deste sistema que se beneficia dela. Trata-se de lutar por uma
cultura política onde o debate racional sobre o futuro do país não possa mais ser
interditado por fantasmas do passado.
IX. Conclusão Final: As Raízes Culturais do
Conflito e a Longa Guerra Fria
Para concluir nossa análise, vamos dar um passo
atrás e adotar uma perspectiva de longa duração. A tese é a seguinte: o
conflito político que observamos hoje, com sua polarização e guerra cultural,
não é uma anomalia do século XXI. É a continuação, com novos atores e em novos
palcos, de uma batalha que começou com as próprias revoluções que fundaram a
modernidade. É a herança direta e complexa das Guerras Mundiais e da Guerra
Fria que se seguiu.
1. A
Invenção do "Eu" Empático: A Teoria de Lynn Hunt
A historiadora Lynn Hunt, em sua obra basilar "A Invenção dos Direitos Humanos", argumenta que as revoluções
Americana e Francesa só foram possíveis por causa de uma revolução cultural
prévia e silenciosa: uma mudança na forma como as pessoas se percebiam e se
relacionavam umas com as outras. O motor dessa mudança, segundo Hunt, foi em
grande parte literário.
- A
Literatura como Ferramenta de Empatia: A ascensão do romance epistolar (em que a
história é contada por meio de cartas) no século XVIII, com obras de
autores como Rousseau e Richardson, permitiu que leitores, pela primeira
vez em massa, entrassem na mente de personagens comuns. Ao ler as
angústias, os medos e as esperanças de uma criada ou de um jovem de outra
classe social, o leitor desenvolvia empatia. Ele aprendia a ver a
humanidade em quem era diferente dele.
- O
Nascimento dos Direitos "Naturais": Essa nova capacidade de
sentir empatia levou à cristalização de uma ideia radical: a de que todos
os indivíduos possuem um "eu" interior, uma autonomia e uma
dignidade intrínsecas. Se todos compartilhamos dessa humanidade
fundamental, então todos, por natureza, devemos possuir certos direitos
inalienáveis. A ideia de "direitos humanos" não nasceu de uma
dedução filosófica abstrata, mas de uma nova experiência psicológica e
cultural. As Declarações de Direitos, tanto a americana quanto a francesa,
foram a codificação política dessa nova "estrutura de
sentimento".
2. A
Dupla Face da Revolução: Nação vs. Inimigo
Aqui reside o paradoxo trágico. O mesmo processo
que inventou o "indivíduo universal" também inventou a "nação
soberana". Ao destronar Deus e o Rei como fontes de poder, as revoluções
colocaram "o Povo" ou "a Nação" em seu lugar. E essa nova
entidade, para existir, precisava definir-se não apenas pelo que era, mas,
principalmente, pelo que não era. Ela precisava de um "outro",
de um inimigo.
- Na França, o inimigo era o
aristocrata, o contrarrevolucionário.
- Na América, era o poder tirânico da
Coroa Britânica e, internamente, o não-cidadão (o escravizado, o
indígena).
Essa necessidade de um inimigo para forjar a
identidade nacional é a semente das "mazelas do século XX".
3. O
Século XX: A Industrialização do "Nós contra Eles"
As duas
Guerras Mundiais e a Guerra Fria foram a industrialização dessa lógica.
- Primeira
Guerra Mundial: O
triunfo do nacionalismo. Nações inteiras, agora dotadas de uma identidade
coletiva poderosa e forjada pela educação pública e pela imprensa,
marcharam para a guerra em nome da pátria.
- Segunda
Guerra Mundial: A
perversão totalitária do projeto. O Nazismo e o Fascismo levaram a lógica
do "outro" ao seu extremo genocida: o inimigo não é apenas
externo, mas também interno (o judeu, o comunista, o cigano), e deve ser
purificado e eliminado para garantir a pureza da nação.
- A
Guerra Fria: A
batalha final entre os dois grandes herdeiros do Iluminismo
revolucionário. De um lado, o bloco capitalista-liberal, que
reivindicava a herança da liberdade individual. Do outro, o bloco
comunista, que reivindicava a herança da igualdade e da fraternidade.
O mundo foi dividido em duas narrativas totalizantes, dois projetos de
humanidade que se viam como mutuamente excludentes. Cada lado precisava do
outro como seu inimigo absoluto para manter sua própria coesão interna.
4. A
Guerra Fria que Não Terminou
A queda do Muro de Berlim não encerrou o conflito;
apenas o fragmentou. O campo de batalha deixou de ser primariamente geopolítico
e tornou-se cultural e informacional. Os novos atores não são apenas
Estados-nação (como EUA vs. China/Rússia), mas também movimentos políticos,
redes sociais, grupos de mídia e cidadãos comuns, todos engajados em uma luta
para definir a identidade coletiva.
O que vemos hoje no Brasil e em outros lugares é
uma manifestação desta Longa Guerra Fria. A batalha contra o
"significante vazio" do "comunismo" ou do
"globalismo" é uma tática clássica da Guerra Fria, adaptada para o
século XXI. Consiste em:
- Criar
um Inimigo Interno: Apontar um grupo (a "esquerda",
"feministas", "ativistas ambientais") como um agente
de uma ideologia estrangeira e corrosiva.
- Forjar
uma Identidade Coesa: Unir a maioria em torno de uma identidade
reativa ("patriotas", "cidadãos de bem", defensores da
"família tradicional").
- Usar
a Desinformação como Arma: O palco é o ecossistema digital, e a guerra é
travada com memes, fake news e narrativas virais que, assim como os
romances do século XVIII, visam moldar a percepção e os sentimentos, mas
agora com o objetivo de gerar medo e ódio, em vez de empatia.
O conflito, portanto, é o mesmo em sua estrutura
fundamental. É a herança direta da necessidade revolucionária de criar um
"nós" contra um "eles". O que mudou foram os atores, o
palco e a velocidade das armas. O objetivo final, no entanto, permanece: o controle
sobre a narrativa que define quem pertence e quem deve ser excluído da
comunidade política.
Redação IA Gemini 2.5 Pro Think
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Bibliografia
de Suporte para a Análise
Esta lista inclui as obras canônicas que embasam os conceitos
discutidos, desde a teoria do discurso e a história do Brasil até as análises sobre
a modernidade e a Guerra Fria.
1. Teoria
do Discurso e o "Significante Vazio"
- Laclau, Ernesto. A Razão
Populista (On Populist Reason).
- Contribuição: Obra
central onde Laclau desenvolve a teoria do "significante
vazio". Ele explica como um termo (como "povo",
"justiça" ou, em nosso caso, o "anti-comunismo") pode
esvaziar-se de seu significado original para unificar uma série de
demandas heterogêneas contra um inimigo comum. É a base teórica da nossa
análise.
- Laclau, Ernesto, e Mouffe,
Chantal. Hegemonia e Estratégia Socialista (Hegemony and
Socialist Strategy).
- Contribuição: Livro
seminal que lança as bases da teoria do discurso pós-marxista,
argumentando que as identidades sociais e políticas são construídas
através de lutas hegemônicas no campo do discurso.
- Saussure, Ferdinand de. Curso
de Linguística Geral (Course in General Linguistics).
- Contribuição: Embora
não seja um teórico político, Saussure fornece a base linguística para o
conceito ao estabelecer a relação arbitrária entre o
"significante" (a palavra) e o "significado" (o
conceito).
2.
Anticomunismo, Ditadura e Política Brasileira
- Gaspari, Elio. Coleção As
Ditaduras Envergonhada, Escancarada, Derrotada e Encurralada.
- Contribuição: Considerada
a obra mais completa sobre o regime militar brasileiro. Detalha
minuciosamente o contexto do golpe de 1964, a Doutrina de Segurança
Nacional e o uso do anticomunismo como ferramenta de legitimação e repressão.
- Schwarcz, Lilia Moritz. Sobre
o Autoritarismo Brasileiro.
- Contribuição: Analisa
as raízes históricas e estruturais do autoritarismo no Brasil, conectando
o passado escravocrata e mandonista com as manifestações contemporâneas
de intolerância, incluindo a reativação de pânicos morais como o
anticomunismo.
- Fausto, Boris. História do
Brasil.
- Contribuição: Oferece
o contexto histórico geral, sendo uma obra de referência para compreender
os períodos de tensão política no Brasil, incluindo a Era Vargas e a
crise que levou ao golpe de 1964.
3. A
Questão Agrária e a Gênese do MST
- Fernandes, Bernardo Mançano. A
Formação do MST no Brasil.
- Contribuição: Obra
de um dos maiores especialistas no tema. Fernandes detalha a origem do
MST não como um movimento ideológico, mas como resultado de processos
históricos concretos, incluindo a expropriação de agricultores por
grandes projetos de desenvolvimento, como as barragens.
- Martins, José de Souza. O
Cativeiro da Terra.
- Contribuição: Um
trabalho sociológico clássico sobre o conflito no campo brasileiro,
explicando a lógica da expropriação e da violência que marginaliza o
pequeno agricultor e dá origem a movimentos de resistência.
4. Poder,
Sistemas e a Crítica ao Conceito de "Elite"
- Bourdieu, Pierre. O Senso
Prático (The Logic of Practice).
- Contribuição: A
obra de Bourdieu é fundamental para substituir a noção vaga de
"elite" pela de um sistema. Seus conceitos de "campo" (um
espaço de luta por poder), "capital cultural" (conhecimento
e prestígio que conferem poder) e "habitus" (as
disposições internalizadas que nos fazem agir de certas maneiras)
explicam como o poder se estrutura e se reproduz culturalmente, sem a
necessidade de uma conspiração consciente.
- Foucault, Michel. Microfísica
do Poder.
- Contribuição: Foucault
desmantela a ideia de um poder centralizado ("a elite") e
mostra como ele opera de forma difusa, através de discursos, instituições
e práticas que produzem "verdades" e disciplinam os corpos e as
mentes. A noção de um "sistema cultural-político" é
profundamente foucaultiana.
5. As
Raízes Culturais do Conflito e a Longa Guerra Fria
- Hunt, Lynn. A Invenção dos
Direitos Humanos: Uma História (Inventing Human Rights: A
History).
- Contribuição: Como
mencionado, é a obra que propõe a tese inovadora de que os direitos
humanos foram "inventados" a partir de uma nova capacidade de
empatia, fomentada pela literatura do século XVIII. Essencial para
entender a base cultural da política moderna.
- Anderson, Benedict. Comunidades
Imaginadas: Reflexões sobre a Origem e a Difusão do Nacionalismo (Imagined
Communities).
- Contribuição: O
clássico sobre o nacionalismo. Anderson argumenta que uma nação não é uma
entidade natural, mas uma "comunidade imaginada", construída
culturalmente através da imprensa, da educação e da criação de uma
narrativa comum. Isso se conecta diretamente à necessidade de definir a
nação contra um "outro".
- Hobsbawm, Eric. A Era dos
Extremos: O Breve Século XX, 1914-1991 (The Age of Extremes).
- Contribuição: Hobsbawm
oferece a grande narrativa que conecta a Primeira Guerra Mundial, a
ascensão do fascismo, a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria como um
único período histórico coeso. É o principal trabalho para sustentar a
ideia de uma "longa guerra fria" cujos conflitos ideológicos
(capitalismo vs. comunismo) definiram o século.
- Applebaum, Anne. O Crepúsculo
da Democracia: O Fracasso Sedutor do Autoritarismo (Twilight of
Democracy).
- Contribuição: Uma
análise contemporânea que argumenta explicitamente que as táticas de
desinformação e polarização usadas hoje por líderes autoritários são uma
continuação direta das estratégias desenvolvidas durante a Guerra Fria,
adaptadas para a era digital.
Exemplos de Think Tanks
Internacionais (muito influentes):
- Brookings Institution (EUA): Geralmente considerado de centro ou centro-esquerda.
- Heritage Foundation (EUA): Um dos mais influentes think tanks conservadores.
- Chatham House (Reino Unido): Focado em relações internacionais.
- RAND Corporation (EUA): Começou com foco militar e de defesa, mas hoje abrange muitas outras áreas.
No Brasil:
- Fundação Getulio Vargas (FGV): Uma das mais importantes, com atuação em diversas áreas como economia, direito e administração pública.
- Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA): Uma fundação pública vinculada ao Ministério da Economia, focada em auxiliar o governo com pesquisas.
- Fundação Fernando Henrique Cardoso (FHC): Ligada ao ex-presidente, com foco em democracia, desenvolvimento e política externa.
- Instituto Millenium (IMIL): Think tank de orientação liberal-conservadora na economia.
- Instituto Igarapé: Focado em políticas de segurança pública, justiça e desenvolvimento.