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Escritório de Advocacia - Dra. Clarice Beatriz da Costa Söhngen e Ingo Dietrich Söhngen

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sexta-feira, 19 de setembro de 2025

 


 FDP -  O Código Secreto



O Daniel  chegou em Porto Alegre em 1932 com duas coisas: uma vontade imensa de se integrar e sem qualquer entendimento do português. Como todo recém-chegado, ele tinha curiosidade em  decifrar os códigos locais. Aquela necessidade de entender as regras não-escritas que separam as várias camadas sociais.

No cais, onde conseguiu emprego carregando sacos, ele logo percebeu que tinha jeito para a coisa. Enquanto os estivadores veteranos equilibravam o peso na cabeça com a elegância de equilibristas de circo, ele desenvolveu sua própria técnica: o método do ombro. Funcionava perfeitamente. Os colegas estranharam no começo, mas eficiência é eficiência. Recebeu uma certa admiração e respeito.  No final das contas, todo mundo chegava no mesmo lugar, carregando o mesmo peso.

Foi numa tarde dessas, quando o sol de verão transformava o cais numa sauna ao ar livre, que o convidaram para a roda de samba. Mais de dez pessoas em volta de uma mesinha improvisada, cavaquinho no meio, caipirinha gelada a iniciar a circulação. Como era o novato, o Daniel  ganhou o privilégio do primeiro gole.

Aí que mora o problema.

Achou que era como cerveja. Pegou o copo – um copão generoso, daqueles que você respeita – e mandou ver. Emborcou tudo de uma vez, tipo: "Saúde, pessoal!"

O silêncio que se seguiu foi daqueles que fazem você se perguntar se não parou o tempo. Dez pares de olhos arregalados olhando para ele como se tivesse acabado de cuspir no santo. Até que alguém, entre o espanto e a admiração, soltou:

— Mas que FDP!

Outros repetiram. "FDP aqui", "FDP ali". O Daniel, que não entendia patavina, interpretou aquilo como uma espécie de aprovação entusiasmada. Tipo um "Bravo!" ou "Muito bem!". Ficou todo orgulhoso, foi no balcão, comprou outra rodada para todo mundo e se despediu, convencido de que tinha passado no teste da turma.

Pronto. Estava criado o mal-entendido.

Alguns dias depois, caminhando pela Otávio Rocha, ele cruzou com um sujeito de voz alta, daqueles que falam como se tivessem engolido um alto-falante. O     Daniel, querendo ser simpático e demonstrar que já estava "por dentro" da cultura local, abriu o sorriso e disparou:

— FDP!

A reação do homem foi... digamos, inesperada. A cara de quem acaba de levar um tapa. O Daniel  ficou sem entender. Achou que talvez tivesse errado o tom. Tentou repetir com mais entusiasmo:

— FDP!

Piorou.

Horas depois chegou a intimação da delegacia. O Daniel, que não sabia ler português, levou o papel para um conhecido traduzir. O homem leu, releu, e demorou uns cinco minutos para conseguir explicar sem dar risada.

Na delegacia, a situação foi surreal. O inspetor, sério como uma sentença, perguntou através do tradutor improvisado:

— Por que o senhor chamou o cidadão de FDP?

A resposta do Daniel foi de uma inocência tocante:

— Mas é a palavra que eu mais escuto aqui no Brasil! Achei que fosse tipo "Prost" (saúde) ou ""Grüß Gott" (Salve Deus) !

O inspetor piscou. Duas vezes. O escrivão baixou a cabeça para disfarçar a risada. Do fundo da sala, o delegado soltou uma gargalhada.

O ofendido, quando soube da confusão, riu mais que todo mundo.

Resultado: caso arquivado, queixa retirada, e o Daniel recebeu uma lição valiosa sobre as sutilezas da comunicação intercultural. 

A história virou lenda na família. O próprio Daniel, anos depois, contava para os netos com aquele prazer de quem transformou uma quase-tragédia em comédia de costumes.

Porque no fundo, no fundo, foi isso que aconteceu: um imigrante tentando desesperadamente ser aceito, decifrando códigos errados e criando situações que só a vida real tem coragem de inventar.

E a lição que fica é simples: cuidado com as siglas. Elas podem significar qualquer coisa. Literalmente, qualquer coisa. Inclusive quando se fala de partidos políticos e políticos.

Redação com auxílio de IAs - redação final Claude Sonnet 4. Imagem criada pela IA FLUX 1.1 [pro] Ultra. Redator Ingo Dietrich Söhngen

 


"FDP -  O Código Secreto" por Ingo Dietrich Söhngen © 2025.

Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional (CC BY-NC 4.0).

Disponível em: https://sohngen.blogspot.com/2025/09/o-codigo-secreto-o-daniel-em-porto.html

Para ver uma cópia desta licença, visite: https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/deed.pt_BR

Licença CC BY-NC 4.0  Esta licença permite compartilhar (copiar e redistribuir) e adaptar (remixar, transformar e criar)"FDP -  O Código Secreto"    em qualquer formato, desde que seja dado crédito adequado ao autor original com link para a fonte original e para a licença, indicando alterações feitas, sendo expressamente proibido o uso para fins comerciais. Não se pode adicionar restrições além das previstas, elementos em domínio público não são afetados, e o descumprimento cancela automaticamente os direitos concedidos, ressaltando-se que a licença pode não contemplar todas as permissões necessárias para certos usos.


quarta-feira, 17 de setembro de 2025

 


O TURISMO no Brasil 



Era mais uma tarde a derreter o asfalto em Porto Alegre, anos 80, quando Lukas, um alemãozinho mais perdido que turista em feira de bugigangas, aguardava na parada com uma expressão de ponto de interrogação ambulante.

O busão finalmente apareceu – fazendo aquele barulho característico de geladeira velha tentando congelar ferro-velho – e Lukas subiu os degraus como quem escala as escadas da Igreja do Bom Fim, com a euforia de quem ganhou ingresso VIP para o Rock in Rio. Mal sabia ele que estava prestes a estrelar seu próprio episódio de "Casos de Família", versão internacional.

No comando da grana estava Pedro, o cobrador, um jovem de 20 anos que manuseava moedas com a delicadeza de quem desarma uma bomba: contava, recontava e empilhava como se cada centavo fosse decisivo para o equilíbrio do universo.

Excuse me, how much is the ticket? — soltou Lukas, com um inglês tirado diretamente dos créditos de "Miami Vice".

Pedro continuou sua contabilidade olímpica sem nem levantar o olhar. Para ele, aquilo era tão compreensível quanto as instruções de uma caixa de remédio em sânscrito.

Lukas, achando que o volume resolveria o problema, partiu para o alemão:

WIE VIEL KOSTET DIE FAHRKARTE? — bradou, escandindo cada sílaba, como se Pedro fosse surdo, e não um monoglota convicto.

A cara de Pedro transformou-se naquela expressão universal de quem morde cebola crua achando que era maçã. No fundão do ônibus, uma senhora cochichou para a amiga: "É russo?".

Desesperado e já considerando a telepatia, Lukas apelou para a linguagem que derruba fronteiras, acaba com guerras e até compra almas: o dinheiro. Sacou uma nota que, pela expressão de Pedro, era o valor máximo em circulação.

Pedro, operando como uma calculadora com bateria fraca, devolveu um troco misterioso e fez o gesto universal que significava: "Passa logo, tá segurando a fila."

Lukas sentou-se perto da janela, provavelmente pensando em como contaria suas aventuras ao pessoal da Bavária, enquanto Pedro, virando-se para o passageiro ao lado – um senhor que assistia a tudo com a atenção de quem acompanha final de campeonato – soltou a pérola filosófica do dia:

Mas que burro. Não sabe falar português.

Ali estava um turista estrangeiro sendo chamado de "burro" por alguém que considerava o português uma habilidade inata, tipo respirar.

Lukas, felizmente alheio à sua participação nesta sitcom tropical sem roteiro, sorria para todos como um labrador perdido no parque. Os brasileiros, craques em simpatia de exportação, retribuíam – todos, exceto Pedro, claro, que encarava línguas estrangeiras como uma ofensa pessoal.

Quando finalmente chegaram ao centro, Lukas desceu agradecendo em alemão (um som parecido com alguém tentando espirrar de boca cheia de pretzel) e seguiu seu caminho, sem fazer ideia de que acabara de participar do episódio piloto de "Turismo Selvagem: Sobrevivendo ao Transporte Público Brasileiro".

E assim seguiu a vida, mais um dia normal na terra onde a hospitalidade é opcional e o bilinguismo é considerado um luxo desnecessário. Mas quem precisa de tradutor quando se tem mímicas desesperadas e notas de dinheiro, não é mesmo?

Texto criado com auxílio de IAs Gemini 2.5 Pro e  Claude 3.7 Sonnet Think entre outras.

 "Redator" Ingo Dietrich Söhngen. 

Imagem criada a partir de prompt pela IA SD3.5 Large



sexta-feira, 12 de setembro de 2025

 Um Relato de Minha Chegada a Trumpetia e das Estranhas Afeições de Seu Governante


1

Após minha fuga das abstrações rarefeitas de Lupada(2), as correntes oceânicas me conduziram a uma costa dominada por uma colossal estátua feminina de semblante impassível e porte majestoso quando não voluptuoso, que parecia saudar eternamente os recém-chegados com uma tocha erguida em promessa de liberdade. A terra era chamada Trumpetia, e o ar, pesado com o aroma de fritura e carne grelhada -  outrora importada de Tropicália - vibrava com uma peculiar noção de liberdade que soava, a todo instante, como um slogan publicitário bem ensaiado.

O líder da nação era uma figura verdadeiramente singular, notável por seu tom de pele reminiscente de um pôr-do-sol alaranjado e um arranjo capilar que mais parecia uma criatura dourada e exótica adormecida sobre sua cabeça. Governava não de um trono tradicional, mas de uma cadeira ostensivamente dourada, relíquia de seus tempos como apresentador de um programa de competição onde se tornara célebre por dispensar candidatos com a frase seca e implacável: "You're fired!" Descobri, para meu crescente assombro, que ele havia desenvolvido tal afeição pela expressão que agora a aplicava com liberalidade na vida real, "demitindo" de sua própria nação as parcelas da população que ousavam contrariá-lo.

Fui conduzido à sua presença durante uma de suas performances diárias diante das câmeras de um canal de notícias. Naquela ocasião específica, defendia com fervor teatral um aliado político de um país ao sul, a ensolarada e efervescente Tropicália.

"É uma desgraça sem precedentes! Pior que aqueles episódios tediosos de Jornada nas Estrelas onde os personagens apenas debatem filosofia!", bradava o Presidente, gesticulando com tal energia que quase derrubou um copo de refrigerante de proporções desmesuradas. "Meu amigo — um sujeito nota dez, o melhor, o mais honesto que já conheci, e acreditem, conheço muitos homens honestos! — foi condenado por  juízes togados! E por qual crime, pergunto-vos? Simplesmente por ter, de maneira eminentemente patriótica, questionado o resultado de uma eleição que... bem, que ele perdeu! Meros detalhes! Ele desejava apenas agradar seu povo, o devotado povo do cercadinho que o venera! Eles o amam como amam cerveja gelada e sanduíche de mortadela! Inclusive, demonstraram seu apreço numa tarde de domingo, passeando pela capital e espalhando... flores."

A menção à iguaria popular me pareceu estranha, mas um assessor me segredou que se tornara símbolo de união entre os seguidores mais devotos do tal aliado. Quanto à questão das flores, permaneci igualmente intrigado, pois, pelos sussurros que captei nos corredores, de flores não se tratara naquela memorável tarde de domingo.

O Presidente então se voltou para um general cuja expressão impassível sugeria décadas de resignação profissional. "General, mobilizem os navios! E os aviões! Os mais formidáveis, os mais 'inacreditáveis', os melhores que já navegaram os mares ou cortaram os céus! Zarparemos para a costa de Tropicália e demonstraremos o que acontece quando se persegue um amigo do grandioso povo de Trumpetia!"

Um silêncio sepulcral tomou o recinto, interrompido apenas pelo distante som melódico de um vendedor de sorvetes que, do lado externo do palácio, anunciava seus produtos com toques de trompete de plástico.

 

3

Como observador imparcial, mal consegui conter um sorriso diante da completa desproporção do discurso. Falava de sua marinha como se fosse a única peça no tabuleiro mundial, esquecendo-se, em sua bravata histriônica, de um discreto consórcio de nações conhecido nos bastidores diplomáticos como "Os Ursos e os Dragões".

Estes países, muito menos inclinados a espetáculos públicos e governados por líderes que não pareciam ter saído de uma caricatura, possuíam — segundo mapas que consultei clandestinamente, escondidos no verso de um cardápio de pizzaria — arsenais discretos porém terrivelmente eficientes. Suas armas poderiam converter a orgulhosa armada de Trumpetia em recifes artificiais para mergulhadores em menos tempo do que se leva para dourar um pão de queijo no forno.

A cena era de uma ironia requintada: um homem-laranja, em seu palco dourado, ameaçando o mundo com seus custosos brinquedos de guerra, enquanto do outro lado do globo, um dragão paciente e um urso estoico o observavam, provavelmente com o mesmo divertimento de espectadores assistindo a uma comédia de pastelão particularmente absurda.

Já o presidente de Tropicália em elegante resposta ao presidente de Trumpetia apresentou artigo em prestigiado jornal local e entre outras questões (onde colocou os adultos na sala) afirmou: A democracia e a soberania de Tropicália não estão em discussão e não são negociáveis.

Parti de Trumpetia carregando uma convicção inabalável: a maior ameaça àquele povo não emanava de inimigos estrangeiros, mas da monumental e hilariante sátira que eles próprios haviam democraticamente elevado ao cargo supremo da nação. 

Observação Particular do Viajante: Devo confessar ao leitor que, mesmo tendo testemunhado as mais singulares bizarrices em Lilliput, Brobdingnag, Lupada  e entre os Houyhnhnms, o espetáculo que ora se desenrolava diante de meus olhos superava em absurdo e extravagância tudo quanto minha imaginação, por mais delirante que fosse em momentos de febre, jamais poderia ter arquitetado. Nem mesmo os mais engenhosos fabulistas de meu conhecimento seriam capazes de conceber tamanha inverossimilhança.

"Redator" responsável Ingo Dietrich Söhngen

Fontes: Swift, Jonathan. Gulliver's Travels (1726) • Trump, Donald. The Art of the Deal (1987) • The Apprentice (NBC, 2004-2017) • Vandré, Geraldo. "Pra não dizer que não falei das flores" (1968) • Invasão de 8 de janeiro de 2023, Brasília • Formação e expansão do BRICS • Hutcheon, Linda. A Theory of Parody (1985) • Müller, Jan-Werner. What Is Populism? (2016) • Star Trek (1966-presente). Jornais consultados pelas IAs: The New York Times, Washington Post, Folha de S.Paulo, O Globo, BBC Brasil.  Créditos: Texto por IA Gemini 2.5 Pro e Claude Sonnet. Imagens por  (1)SD3.5 Large e (3) DALL-E 3. (2) Laputa / ləˈptə / (Lupada, Lapuda  em espanhol) é uma ilha voadora descrita no livro de 1726 As Viagens de Gulliver de Jonathan Swift. [1] Tem cerca de 41/2 milhas (71/4 km) de diâmetro, com uma base adamantina, que seus habitantes podem manobrar em qualquer direção usando levitação magnética. A ilha é a casa do rei de Balnibarbi e sua corte, e é usada pelo rei para impor seu domínio sobre as terras abaixo. Fonte  Wikipédia. A respeito de Swift leia o seguinte texto de DANIEL BENEVIDES https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0801201120.htm#:~:text=Os%20leitores%20que%20retornam%20a%20Gulliver%20(,de%20pol%C3%ADtica%2C%20sociedade%2C%20ci%C3%AAncia%2C%20justi%C3%A7a%20e%20educa%C3%A7%C3%A3o.

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

 


 

 

Como o Brasil pode aprender com a Alemanha a ter uma internet mais justa e transparente.

Criação IA SDXL V1.0

Vivemos um paradoxo curioso: nunca tivemos tanto conteúdo online e, ao mesmo tempo, tão pouca confiança no que vemos. É como ter uma biblioteca gigantesca sem catálogo — você até pode encontrar informação, mas não sabe se é confiável ou quem decidiu que ela merecia destaque. O problema não é falta de gente falando, pois todo mundo tem voz nas redes sociais. O problema é que as regras para amplificar ou silenciar essas vozes são invisíveis e decididas por poucos. É como jogar futebol sem saber quem é o árbitro ou se ele vai usar VAR. Às vezes, até parece que os próprios jogadores é que estão apitando.

Diante desse cenário, vale olhar para a Alemanha, que sem ser perfeita, criou um sistema interessante que funciona há mais de 60 anos. Eles descobriram que pluralismo precisa de regras claras, não só de boa vontade. E quando chegou a era digital, adaptaram essas regras em vez de jogar tudo fora. Este artigo compara como funcionam as coisas por lá e por aqui, explica por que nossa informação online virou terra de ninguém e propõe soluções realistas — sem copiar a Alemanha de olhos fechados nem fingir que basta uma nova lei.

A lição alemã na prática

Depois da Segunda Guerra, os alemães aprenderam na pele que democracia precisa de mídia independente. Não bastava proibir censura no papel; era preciso criar estruturas que impedissem qualquer grupo de controlar sozinho a informação. Os Aliados — Estados Unidos, Reino Unido e França — exigiram que rádio e TV alemãs tivessem conselhos com representantes da sociedade civil: sindicatos, igrejas, universidades, grupos de minorias. O governo poderia opinar, mas nunca mandar sozinho.

O Tribunal Constitucional alemão estabeleceu regras importantes que até hoje orientam o sistema. Primeiro, o pluralismo interno, garantindo que dentro de cada emissora deve haver espaço para vozes diferentes. Segundo, o pluralismo externo, assegurando que o sistema como um todo tenha diversidade. Terceiro, a distância do governo, permitindo que políticos participem dos conselhos, mas limitados a no máximo um terço dos assentos.

Na prática, isso funciona através de conselhos representativos onde cada emissora pública tem participação da sociedade civil, não só do governo. O financiamento é protegido, com a contribuição que sustenta a TV e rádio públicas sendo calculada por uma comissão técnica, não pelo humor dos políticos. A supervisão é descentralizada, com cada estado alemão tendo sua própria autoridade para fiscalizar a mídia. E há controle de concentração, com órgão específico monitorando se alguma empresa está virando monopolista.

Como disse o professor Wolfgang Schulz, "o pluralismo alemão não nasceu de sonho; nasceu de instituições que distribuem poder e criam espaços para discordar". Quando todo mundo migrou para internet e redes sociais, a Alemanha não abandonou esses princípios. A Lei das Redes Sociais de 2017 obriga remoção rápida de conteúdo claramente ilegal e exige relatórios públicos de transparência. O Tratado de Mídia Digital de 2020 atualiza regras antigas para o ambiente online. E a Lei de Serviços Digitais da União Europeia de 2022 impõe auditorias independentes, transparência nos algoritmos e acesso a dados para pesquisa.

O sistema não é perfeito — há críticas sobre possível excesso de remoções e dificuldades para fiscalizar empresas globais. Mas o núcleo permanece: neutralidade não significa "não ter opinião"; significa impedir que alguém monopolize a conversa e criar recursos quando as regras são quebradas.

O paradoxo brasileiro

O Brasil tem uma Constituição sólida que garante liberdade de expressão e proíbe censura prévia. Em 2009, o STF reforçou isso na ADPF 130, enterrando de vez a Lei de Imprensa da ditadura. O problema não é "falta de proteção à fala", mas sim falta de regras transparentes para o dia a dia digital. Como disse o pesquisador Eugênio Bucci, vivemos o "paradoxo dos novos vassalos": temos liberdade formal, mas dependemos de estruturas opacas que não sabemos como funcionam.

Olhando de perto, os problemas aparecem em duas frentes complementares. Na mídia tradicional, poucos grupos controlam muitos veículos, há dependência de publicidade sem regras claras — especialmente a do governo — e as redações estão encolhendo, com menos jornalismo local e investigativo. Na "mídia da internet", qualquer um pode postar, mas só alguns algoritmos decidem quem será visto. Os sistemas de recomendação premiam polêmica e conflito, não qualidade, e criadores de conteúdo viraram "inquilinos" dos feeds das plataformas.

O resultado é uma bagunça: agenda concentrada em cima, tribos radicalizadas em baixo. Em vez de orquestra afinada, temos duas bandas tocando músicas diferentes ao mesmo tempo. Diante desse cenário, nosso Judiciário entrou em campo, especialmente nos últimos anos. O TSE nas eleições criou regras específicas e prazos apertados para plataformas, com o caso marcante da suspensão temporária do Telegram em 2022 por ignorar ordens, além de remoções pontuais e multas para quem não colabora. O STF, fora das eleições, conduziu inquéritos para investigar ataques organizados às instituições, com remoções de conteúdo e contas baseadas em crimes tipificados, gerando debates sobre concentração de poderes e decisões sigilosas.

O mérito é inegável: evitaram danos sérios. O problema é que virou política de bombeiro — apagar incêndio, não planejar a cidade. Precisamos de regras claras e horizontais, não só decisões caso a caso. Como disse o ministro Barroso, "o Estado deve intervir de forma transparente, não para dizer o que pode ser falado, mas para garantir que o debate seja plural com regras conhecidas".

A economia da atenção capturada

Para entender por que chegamos aqui, precisamos olhar para os incentivos econômicos, não procurar teorias conspiratórias. O dinheiro vai para quem tem dados e escala: plataformas capturam a maior fatia da publicidade digital porque oferecem alcance e segmentação, enquanto veículos tradicionais perdem receita, cortam equipes e concentram pauta. Os algoritmos maximizam atenção, não diversidade: sistemas de recomendação são programados para manter pessoas grudadas na tela, não para informar bem. Polêmica gera engajamento; engajamento gera lucro. E a publicidade oficial sem transparência transforma verba pública de comunicação em ferramenta política, não em instrumento de informação ao cidadão.

Como explicou Shoshana Zuboff, vivemos um "capitalismo de vigilância" onde nossa atenção virou mercadoria. Quando dar clique rende mais que checar informação, o resto é consequência natural. Esse sistema afeta tanto a mídia tradicional, com sua dependência de publicidade e poucos players, quanto a digital, com sua opacidade algorítmica e incentivo à polarização. O resultado é um ecossistema que promove unilateralidade não por conspiração, mas por design econômico.

Aprendendo sem copiar

A Alemanha não tem fórmula mágica, mas alguns princípios deles podem funcionar aqui. O pluralismo como responsabilidade do Estado, mas sem interferir no conteúdo; conselhos com participação real da sociedade civil; fiscalização descentralizada, mais próxima das realidades regionais; financiamento protegido da pressão política; e transparência, direito de defesa e recurso para usuários.

As propostas em discussão no Congresso brasileiro — regulação de plataformas, marco da IA, atualização das regras de rádio e TV — podem avançar tornando as plataformas mais transparentes. Isso significa notificar usuários quando removerem conteúdo, explicando o porquê; criar canais de recurso com prazo para resposta; publicar relatórios sobre moderação e ordens judiciais; e dar acesso a dados para pesquisadores independentes. Para as plataformas gigantes, significa exigir avaliações anuais de risco sobre desinformação, ódio e danos a crianças, com planos públicos para reduzir esses riscos e auditorias independentes com resultados publicados. Na publicidade oficial, significa criar um portal único mostrando todos os contratos com mídia, estabelecer critérios claros para distribuir verba pública e ter relatórios auditados pelos tribunais de contas.

Mas isso só não basta. Precisamos de supervisão com a sociedade, através de uma autoridade nacional mais comitês regionais, com vagas para sociedade civil, universidades, imprensa e setor privado, limitando o governo a um terço dos assentos. Precisamos de mais concorrência e diversidade, facilitando a migração entre plataformas através da interoperabilidade, criando um fundo competitivo para jornalismo local e investigativo, e estabelecendo regras para evitar concentração excessiva. E precisamos de educação e proteção à pesquisa, com programas de educação midiática nas escolas e proteção legal para pesquisadores de interesse público.

O mundo real transformado

Para deixar claro o que mudaria, imaginemos situações concretas. Durante as eleições, hoje uma campanha denuncia outra, a plataforma remove sem explicar, quem foi afetado recorre no escuro e o TSE intervém. Com regras novas, a plataforma explicaria a remoção com evidências, haveria um canal específico de recurso com prazo, o TSE só atuaria se o recurso não resolvesse e tudo ficaria registrado em painel público.

Quando uma reportagem "some" do feed, hoje o alcance cai sem explicação e o suporte dá respostas genéricas. Com regras novas, um relatório trimestral explicaria mudanças no algoritmo, o jornalista poderia questionar e uma auditoria independente revisaria casos suspeitos. No caso de conteúdo de ódio ou ameaça, hoje há um vai e volta de denúncias com remoções inconsistentes. Com regras novas, haveria definição clara do que é crime, prazos definidos e relatórios públicos sobre execução.

Para não nos enganarmos sobre o progresso, precisamos medir resultados concretos: quantas decisões de moderação explicam o motivo; tempo médio para responder recursos e quantos são aceitos; quantas ordens judiciais são derrubadas por instâncias superiores; participação de veículos locais na publicidade oficial; concentração por região em TV, rádio e digital; e número de pesquisas independentes com dados das plataformas.

Entre a utopia e o possível

A Alemanha mostrou que neutralidade na mídia é engenharia institucional com manutenção constante, não apenas boa intenção. O Brasil tem constituição sólida, imprensa relevante e tribunais atuantes — falta conectar tudo isso ao ecossistema digital que realmente usamos. Com transparência, direito de defesa, fiscalização plural e jornalismo local fortalecido, a informação unilateral perde força e as bolhas perdem combustível. Não fica perfeito, mas fica administrável. Como bônus, STF e TSE voltam ao papel adequado: freio de emergência, não motorista permanente.

A neutralidade que precisamos não é ausência de opinião; é presença de pluralismo com regras claras. Não é proibir debate; é garantir que todos possam participar em condições minimamente equilibradas. Isso não é censura; é civilização digital. Não é controle governamental; é governança com participação social. E não é utopia; é engenharia possível, como a Alemanha provou — sem ser perfeita, mas sendo funcional.

"Pluralismo nunca é produto espontâneo do mercado; é resultado de desenho institucional deliberado"[1]. A Alemanha aprendeu isso após o trauma nazista; o Brasil pode aprender após anos de polarização estéril e desinformação industrializada. A questão não é se teremos regulação, mas que tipo: opaca e caso a caso, ou transparente com regras conhecidas. A escolha, como sempre na democracia, é nossa.


 



[1] Paráfrase atribuída ao pensamento do jornalista Alberto Dines (1932-2018). 

IAs redatoras Claude Opus 4.1 Think, Claude 3.7 Sonnet, Gemini 2.5 Flash Think, GPT-5 Think, Sider Fusion, com base em pesquisa prévia realizada no sub-sistema Deep Research (beta) do sistema Sider. 

Referências essenciais

Brasil

  • Constituição Federal: art. 5º e 220.
  • ADPF 130 (STF, 2009): acórdão sobre liberdade de imprensa.
  • Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014).
  • LGPD (Lei 13.709/2018).
  • Caso Telegram (suspensão temporária, 2022): decisão do TSE.

Alemanha/UE

  • Lei Fundamental alemã (Art. 5).
  • "Decisões da radiodifusão" do Bundesverfassungsgericht (Rundfunkurteile; ZDF-Urteil 2014).
  • Medienstaatsvertrag (2020).
  • NetzDG (2017) e guias do Bundesamt für Justiz (BfJ).
  • Digital Services Act (Regulamento (UE) 2022/2065).

BIBLIOGRAFIA UTILIZADA

Fontes primárias

Legislação, jurisprudência e documentos oficiais

Brasil

  • Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Art. 5º, IV, IX, XIV; Art. 220-224.
  • Supremo Tribunal Federal (2009). ADPF 130. Relator Min. Carlos Britto. Acórdão sobre liberdade de imprensa.
  • Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet). Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil.
  • Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais). Dispõe sobre o tratamento de dados pessoais.
  • Tribunal Superior Eleitoral (2022). Decisão sobre suspensão temporária do Telegram. Ministro Alexandre de Moraes.
  • Projeto de Lei 2630/2020 (PL das Fake News). Texto e substitutivos propostos na Câmara dos Deputados.
  • Projeto de Lei 2338/2023 (Marco Legal da Inteligência Artificial). Texto em tramitação no Senado Federal.

Alemanha/União Europeia

  • Grundgesetz (Lei Fundamental da Alemanha), Art. 5 (1949). Liberdade de expressão e liberdade de imprensa.
  • Bundesverfassungsgericht (1961). BVerfGE 12, 205 - 1. Rundfunkurteil. Decisão sobre radiodifusão.
  • Bundesverfassungsgericht (2014). BVerfGE 136, 9 - ZDF-Staatsvertrag. Decisão sobre governança da emissora pública ZDF.
  • Netzwerkdurchsetzungsgesetz - NetzDG (2017). Lei de Aplicação nas Redes Sociais.
  • Medienstaatsvertrag (2020). Tratado Interestadual de Mídia.
  • KEF - Kommission zur Ermittlung des Finanzbedarfs der Rundfunkanstalten. Relatórios sobre financiamento da radiodifusão pública.
  • KEK - Kommission zur Ermittlung der Konzentration im Medienbereich. Relatórios sobre concentração midiática.
  • Regulamento (UE) 2022/2065 (Digital Services Act). Estabelece regras para plataformas digitais na União Europeia.

Fontes secundárias

Livros e capítulos

  • Bucci, Eugênio (2021). "O Paradoxo dos Novos Vassalos: Liberdade Formal, Dependência Prática". In: Comunicação e Democracia. São Paulo: Editora Contexto.
  • Dines, Alberto (2009). O Papel do Jornal e a Profissão de Jornalista. São Paulo: Summus.
  • Habermas, Jürgen (1991). The Structural Transformation of the Public Sphere: An Inquiry into a Category of Bourgeois Society. Cambridge: MIT Press.
  • Schulz, Wolfgang (2018). Medienordnung und Öffentlichkeit im digitalen Wandel. Hamburg: Hans-Bredow-Institut.
  • Zuboff, Shoshana (2019). The Age of Surveillance Capitalism: The Fight for a Human Future at the New Frontier of Power. New York: Public Affairs.

Artigos acadêmicos

  • Barroso, Luís Roberto (2020). "Liberdade de Expressão versus Direitos da Personalidade. Colisão de Direitos Fundamentais e Critérios de Ponderação". Revista de Direito Administrativo, v. 235, p. 1-36.
  • Helberger, Natali (2020). "The Political Power of Platforms: How Current Attempts to Regulate Misinformation Amplify Opinion Power". Digital Journalism, v. 8, n. 6, p. 842-854.
  • Puppis, Manuel (2010). "Media Governance: A New Concept for the Analysis of Media Policy and Regulation". Communication, Culture & Critique, v. 3, n. 2, p. 134-149.
  • Valente, Jonas (2019). "Regulando desinformação e fake news: um panorama internacional das respostas ao problema". Comunicação Pública, v. 14, n. 27.

Relatórios e estudos técnicos

  • Freedom House (2021). "Freedom on the Net 2021: Brazil Country Report".
  • Hans-Bredow-Institut (2021). "Media Pluralism Monitor: Germany Country Report".
  • Instituto de Tecnologia e Sociedade - ITS Rio (2022). "Análise comparada de modelos regulatórios para plataformas digitais".
  • Media Ownership Monitor Brasil (2019). "Os donos da mídia no Brasil". Repórteres sem Fronteiras.
  • Reuters Institute (2023). "Digital News Report 2023". University of Oxford.

Documentos consultados dos arquivos enviados

  • "Censura alemã e no Brasil.pdf" - Análise histórica comparativa dos modelos de censura e controle de conteúdo.
  • "O Paradoxo dos Novos Vassalos.docx" - Ensaio sobre dependência dos produtores de conteúdo em relação às plataformas digitais.
  • "A questão de se o Congresso Nacional é culpado pela situação relacionada à difusão de notícias falsas e informações unilaterais é complexa.docx" - Análise sobre responsabilidade legislativa no cenário informacional brasileiro.
  • "IA.docx" - Documento sobre os desafios da inteligência artificial no contexto informacional.

Palestras e depoimentos

  • Fórum Permanente de Liberdade de Expressão (2022). "Regulação de plataformas: lições internacionais". Fundação Getúlio Vargas.
  • Seminário Internacional sobre Desinformação e Eleições (2022). Tribunal Superior Eleitoral e UNESCO.
  • Audiências públicas da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados sobre o PL 2630/2020 (2021-2023).

Fontes jornalísticas e institucionais

  • Bundesamt für Justiz (BfJ). Relatórios anuais sobre implementação do NetzDG (2018-2023).
  • Deutschlandfunk (2021). "60 Jahre Rundfunkurteile: Wie das BVerfG den öffentlich-rechtlichen Rundfunk geprägt hat".
  • Deutschlandradio (2020). "Medienstaatsvertrag tritt in Kraft - Neue Regeln für Plattformen".
  • Folha de S.Paulo (2022). "TSE e plataformas firmam acordo para combate à desinformação nas eleições".
  • Observatório da Comunicação Pública (2022). "Verbas de publicidade oficial: análise comparativa 2015-2022".