A QUESTÃO TEOLÓGICO-ECONÔMICA DE SANTO ANTÔNIO DO VALE
Uma aula em forma de comédia filosófica
PERSONAGENS
Padre Anselmo - 62 anos, barriga avantajada de polenta e vinho colonial, mãos grandes de quem já trabalhou na roça. Conversa com o crucifixo da igrejinha como se fosse seu cunhado.
Vanderlei "Vandão" Becker - 58 anos, prefeito do PT há três mandatos (com um intervalo), bigode espesso, voz tonitruante. Ex-sindicalista metalúrgico. Também tem barriga de polenta e vinho colonial.
Cristo do Crucifixo - Fala apenas com Padre Anselmo. Tem senso de humor.
Dona Iracema - 68 anos, professora aposentada, moderadora implacável.
Seu Giacomo - 83 anos, sobrevivente de tudo, sabedoria de aldeia.
Local: Santo Antônio do Vale - 3.847 habitantes, serra gaúcha, entre Caxias do Sul e Bento Gonçalves. Uma igreja, uma prefeitura, três cantinas, dois mercadinhos, uma cooperativa, salão da comunidade e muita uva.
ATO I: O PROBLEMA DO COSMO E DO CHIMARRÃO
[Igreja de Santo Antônio, 6h da manhã. Padre Anselmo entra arrastando os pés, acende as velas, prepara um chimarrão. Olha para o Cristo no crucifixo]
PADRE ANSELMO: Bom dia, Senhor. Aquele comunista do Vandão passou ontem na rádio comunitária dizendo que a Igreja é "ópio do povo". Ópio! Eu, que acordo às cinco da matina para visitar a dona Olinda que está com câncer!
CRISTO: Anselmo, tu tomou o chimarrão dela antes ou depois da visita?
PADRE ANSELMO: (defensivo) Ela insistiu! E que tem? A caridade não proíbe chimarrão!
CRISTO: Claro que não. Mas me diz uma coisa: o Vandão também não foi lá ontem? Vi ele saindo quando tu chegava.
PADRE ANSELMO: (resmungando) Foi. Levou uma cesta básica da prefeitura.
CRISTO: E isso te incomoda por quê?
PADRE ANSELMO: Porque ele faz isso para ganhar voto! Eu faço por amor cristão!
CRISTO: (irônico) Claro. E aquela lista de frequência da missa que tu preenche, é por quê? Controle de estoque de hóstias?
PADRE ANSELMO: Senhor, com todo respeito, isso não vem ao caso. A questão é: por que o Vandão tem que ser ateu? Por que ele não pode aceitar Vossa infinita misericórdia?
CRISTO: Anselmo, tu já parou para pensar que talvez, do ponto de vista do universo infinito, não faça muita diferença se o Vandão acredita em mim ou numa teoria econômica alemã?
PADRE ANSELMO: (escandalizado) Como assim não faz diferença?! Senhor, o senhor morreu na cruz pela salvação dele!
CRISTO: Eu sei. Eu tava lá. Mas responde: quando tu olha pro céu à noite, tu consegue entender o infinito?
PADRE ANSELMO: (coçando a cabeça) Bom... não. Me dá tontura.
CRISTO: Pois é. Tu não entende o universo físico, mas tem certeza absoluta sobre meus planos para o Vandão Becker?
PADRE ANSELMO: (silêncio constrangido) É... colocando assim...
CRISTO: E me diz outra coisa: o Vandão, com todo aquele papo de luta de classes, não faz basicamente o que eu pedi nos Evangelhos? Cuidar dos pobres, distribuir riqueza, combater os poderosos?
PADRE ANSELMO: Mas ele não faz em Vosso nome!
CRISTO: E eu sou tão vaidoso assim? Preciso de crédito? Anselmo, quando tu ajudou o Zeca a reformar o rancho sem ele saber que foi tu, tu não se sentiu melhor ainda?
PADRE ANSELMO: (pensativo) Bah, é verdade...
[Bate palmas no portão da igreja]
VOZ DE VANDÃO: Ô, padre! Tá aí?
ATO II: A ALIANÇA IMPOSSÍVEL
[Padre Anselmo sai da igreja. Vandão está no portão, com uma pasta debaixo do braço]
VANDÃO: Bom dia, padre.
PADRE ANSELMO: (seco) Bom dia, Vanderlei. Que te traz por aqui tão cedo? Veio me converter ao materialismo dialético?
VANDÃO: (sorrindo) Não, vim te pedir um favor. Preciso da tua ajuda.
PADRE ANSELMO: (desconfiado) Minha ajuda? Tu, que passou na rádio me chamando de vendedor de ópio?
VANDÃO: Eu não te chamei de vendedor! Eu citei o Marx! E ouvi dizer que tu me chamou de "filho do demo" no sermão de domingo.
PADRE ANSELMO: (corando) Eu disse "aqueles que negam a Deus". Não citei nomes.
VANDÃO: Padre, a igreja inteira olhou pra mim.
PADRE ANSELMO: (mudando de assunto) Que favor?
VANDÃO: A família Bonatto. Tu sabe que o Ademir quebrou a perna na colheita. Não pode trabalhar por três meses. Eu consegui uma cesta básica da prefeitura e meio salário do sindicato, mas não dá. Eles vão perder a terra pro banco.
PADRE ANSELMO: (imediatamente sério) Quanto falta?
VANDÃO: Uns três mil reais. Pensei que a gente podia fazer uma campanha junto. Eu mobilizo o sindicato, tu mobiliza a paróquia.
PADRE ANSELMO: (pausa longa) Tá. Mas tem uma condição.
VANDÃO: (cauteloso) Qual?
PADRE ANSELMO: Tu para de dizer na rádio que religião é coisa de alienado.
VANDÃO: E tu para de dizer no sermão que comunista não tem alma.
PADRE ANSELMO: Eu nunca disse isso!
VANDÃO: Domingo passado: "aqueles que negam o Criador negam a própria essência humana".
PADRE ANSELMO: (defensivo) É teologia! São Tomás de Aquino!
VANDÃO: É ofensa! É Anselmo de Caxias do Sul!
[Silêncio tenso. Ambos se encaram]
PADRE ANSELMO: (suspirando) Tá bom. Trégua. Pelos Bonatto.
VANDÃO: Trégua. Pelos Bonatto.
[Apertam as mãos. Vandão saca uma garrafa de grappa da pasta]
VANDÃO: Sela o acordo?
PADRE ANSELMO: (olhando para os lados) São seis e meia da manhã...
VANDÃO: E daí? Tu não diz que o vinho é sagrado?
PADRE ANSELMO: Isso é grappa.
VANDÃO: Grappa é vinho que estudou.
[Padre Anselmo ri. Busca dois copos. Bebem]
ATO III: A AULA PROPRIAMENTE DITA
[Salão da comunidade, à noite. 50 pessoas sentadas. Banner: "Diálogo Fraterno: Fé e Sociedade". Padre Anselmo e Vandão sentados em cadeiras de plástico, frente a frente. Dona Iracema, professora aposentada, modera]
DONA IRACEMA: Boa noite a todos! Hoje temos algo inédito em Santo Antônio: nosso pároco e nosso prefeito vão dialogar civilizadamente sobre fé e política!
VOZ NA PLATEIA: Aposto dez conto que dá briga!
OUTRA VOZ: Aceito!
DONA IRACEMA: (ignorando) Primeira pergunta, do João Pedro, 16 anos: "Se Deus existe e é infinito, por que ele se importaria se eu acredito nele ou não? Não sou insignificante demais?"
[Silêncio. Padre Anselmo e Vandão se entreolham]
PADRE ANSELMO: Bah, João Pedro, essa é... (coça a cabeça) ...essa é uma baita pergunta. Olha, do ponto de vista do universo, tu é minúsculo mesmo. Nós todos somos. Mas a fé cristã ensina que Deus, sendo infinito, consegue se importar com cada um. É que nem tua mãe: ela cuida de ti, do teu irmão, da casa, da horta... Amor não diminui quando se divide.
VANDÃO: Posso comentar?
DONA IRACEMA: Claro.
VANDÃO: Olha, João Pedro, eu não acredito em Deus, tu sabe. Mas vou te dizer uma coisa: talvez a pergunta esteja errada. Não é se tu é importante pro cosmos. É se tu é importante pra tua comunidade, pra tua família, pros que vivem contigo. Essa importância, essa tu tem. E não precisa de um Deus pra garantir isso.
PADRE ANSELMO: (inesperadamente) Sabe que... eu não discordo tanto assim.
[Plateia murmura espantada]
VANDÃO: (também surpreso) Sério?
PADRE ANSELMO: Olha, eu acredito em Deus. Mas talvez Deus não seja esse juiz neurótico que fica checando se tu acreditou direito. Talvez... (olha nervoso para o teto, como se esperasse um raio) ...talvez Ele se importe mais com o que tu faz do que com o que tu acredita.
VANDÃO: (rindo) Cuidado, padre, daqui a pouco tu vira comunista!
PADRE ANSELMO: E tu vira católico! Outro dia tu deu tudo que arrecadou no churrasco pro Ademir Bonatto!
VANDÃO: Isso é solidariedade de classe!
PADRE ANSELMO: Isso é "amar o próximo como a ti mesmo"!
VANDÃO: É luta social!
PADRE ANSELMO: É caridade!
DONA IRACEMA: (divertida) Senhores, senhores... vocês estão concordando.
[Ambos param. Percebem. Ficam constrangidos]
PADRE ANSELMO: (resmungando) Bah...
VANDÃO: (também resmungando) Tchê...
ATO IV: A QUESTÃO DA SINCERIDADE
DONA IRACEMA: Próxima pergunta, da Mariana: "Por que a Igreja é contra distribuição de renda se Jesus era basicamente socialista?"
[Padre Anselmo engasga com água]
PADRE ANSELMO: (tossindo) Jesus não era socialista!
VANDÃO: (provocador) Ah não? "É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha que um rico entrar no reino dos céus"? Se isso não é consciência de classe...
PADRE ANSELMO: Isso é desapego material!
VANDÃO: Que é o que o socialismo propõe!
PADRE ANSELMO: Não! O socialismo propõe o Estado controlar os meios de produção! Jesus propunha conversão interior!
VANDÃO: Jesus expulsou os comerciantes do templo no chicote, padre! Isso não foi "conversão interior", foi ação direta!
PADRE ANSELMO: (pausa) Tá, esse argumento eu não tinha pensado...
DONA IRACEMA: Padre, a pergunta é boa: por que a Igreja historicamente se aliou aos ricos?
PADRE ANSELMO: (suspirando pesadamente) Olha, Mariana... essa é uma pergunta que me tira o sono. A verdade? (pausa longa) A Igreja errou. Muitas vezes. Nós nos aliamos com reis, ditadores, banqueiros... Esquecemos que Jesus nasceu numa estrebaria e morreu entre ladrões. (voz embargada) Às vezes eu leio os Evangelhos e me pergunto o que Cristo diria da Igreja de hoje. Dos palácios, do ouro, dos escândalos...
[Silêncio pesado no salão]
VANDÃO: (suavemente) Padre... isso foi honesto.
PADRE ANSELMO: Eu tentei a vida toda ser sincero. (olha para Vandão) Mesmo quando discordo de ti, eu sei que tu é sincero. Tu realmente acredita que tá lutando pelos pobres. E... e faz isso. Eu vi.
VANDÃO: (também embargado) E eu sei que tu também é sincero, padre. Quando o marido da Giovana morreu de infarto, tu passou três noites fazendo vigília com a família dela, rezando o terço com ela e as três filhas, só pra ninguém ficar sozinho com a dor. Não cobrou nada, não aproveitou pra fazer sermão. Só ficou ali, sendo humano.
PADRE ANSELMO: Era o certo a fazer.
VANDÃO: Pois é. E era isso que eu tava fazendo com as cestas básicas. Não por voto. Porque era o certo.
[Ambos se encaram. Algo muda]
DONA IRACEMA: (limpando lágrima) Então... vocês concordam que sinceridade importa mais que ideologia?
PADRE ANSELMO e VANDÃO: (juntos) Sim.
VOZ NA PLATEIA: Lá se foi meus dez reais...
ATO V: A QUESTÃO DOS FARISEUS
DONA IRACEMA: Padre, já que estamos falando de sinceridade... o que Jesus disse sobre os fariseus?
PADRE ANSELMO: (desconfortável) Bom... ele não foi muito... diplomático.
VANDÃO: (curioso) Como assim?
PADRE ANSELMO: Ele os chamou de "raça de víboras". "Sepulcros caiados". "Guias cegos".
VANDÃO: (impressionado) O Jesus falou isso?
PADRE ANSELMO: Mateus 23. O capítulo inteiro é uma surra verbal nos fariseus. Ele disse que eles coavam mosquitos mas engoliam camelos. Que davam dízimo de hortelã mas esqueciam a justiça e a misericórdia. Que eram bonitos por fora mas por dentro cheios de ossos de mortos.
VANDÃO: Bah! Esse Jesus era mais radical que eu imaginava!
PADRE ANSELMO: Era. E sabe o que mais? Ele fazia suas refeições com prostitutas, cobradores de impostos, pecadores de todo tipo. Mas os fariseus, os religiosos certinhos, esses ele destruía.
DONA IRACEMA: Por quê, padre?
PADRE ANSELMO: (pensativo) Porque eles eram hipócritas. Pregavam uma coisa, faziam outra. Usavam a religião pra oprimir, não pra libertar. Colocavam fardos pesados nos ombros dos outros mas não moviam um dedo pra ajudar. Fechavam o Reino dos céus na cara das pessoas.
VANDÃO: Então... então Jesus criticava mais os religiosos hipócritas que os pecadores sinceros?
PADRE ANSELMO: (longo silêncio) Sim. Exatamente isso.
DONA IRACEMA: Me explica uma coisa então, padre. Na parábola do Bom Samaritano, quem ajudou o homem ferido?
PADRE ANSELMO: O samaritano.
DONA IRACEMA: E quem eram os samaritanos?
PADRE ANSELMO: (ainda mais desconfortável) Bom... eram considerados hereges. Os judeus os odiavam. Cultuavam no lugar errado, tinham a teologia errada, misturaram com outros povos...
DONA IRACEMA: E quem passou reto sem ajudar?
PADRE ANSELMO: (voz baixa) O sacerdote e o levita. Os religiosos.
DONA IRACEMA: Então Jesus tá dizendo que um herege compassivo vale mais que um religioso indiferente?
PADRE ANSELMO: (pausa longuíssima) ...sim.
VANDÃO: (animado) Opa! Gostei dessa parábola!
PADRE ANSELMO: Calma lá, Vandão. Não tem "Parábola do Bom Ateu".
VANDÃO: Mas tem a do Bom Samaritano. Que era considerado herege. Teologicamente errado.
PADRE ANSELMO: (pensativo) É verdade...
DONA IRACEMA: E tem mais. Lembra da parábola do fariseu e do publicano no templo?
PADRE ANSELMO: (suspirando) Lembro. O fariseu agradecia a Deus por não ser como os outros homens. Listava suas virtudes: jejuava, dava dízimo, cumpria tudo. O publicano, que era cobrador de impostos corrupto, só batia no peito dizendo "Senhor, tem misericórdia de mim, que sou pecador".
DONA IRACEMA: E quem Jesus disse que saiu justificado?
PADRE ANSELMO: (baixinho) O publicano.
VANDÃO: Deixa eu ver se entendi. Jesus preferia:
- Prostitutas sinceras a fariseus hipócritas;
- Cobradores de impostos humildes a religiosos arrogantes;
- Samaritanos hereges compassivos a sacerdotes ortodoxos indiferentes.
PADRE ANSELMO: (depois de longa pausa) ...quando tu coloca assim, fica meio óbvio, né?
VANDÃO: Padre... tu tem certeza que eu sou o comunista nessa história?
[Risadas na plateia]
PADRE ANSELMO: (sorrindo apesar de tudo) Olha, Vandão... eu passei quarenta anos preocupado se as pessoas acreditavam nas coisas certas. Mas Jesus parece ter se preocupado mais se as pessoas faziam as coisas certas. E se faziam com o coração sincero.
VANDÃO: Moções cardíacas retas e íntegras?
PADRE ANSELMO: (surpreso) Tu conhece essa expressão?
VANDÃO: Li num livro. Significa intenções puras, sinceras. Que o que tu sente por dentro e o que tu faz por fora seja a mesma coisa.
PADRE ANSELMO: Exatamente. E talvez... (olha para o teto de novo) ...talvez Deus se importe mais com isso do que com teologia correta.
DONA IRACEMA: Então vocês concordam: sinceridade compassiva importa mais que ortodoxia religiosa ou ideológica?
PADRE ANSELMO e VANDÃO: (juntos, após pausa) Sim.
ATO VI: A SABEDORIA DA ALDEIA
SEU GIACOMO: (levantando a mão do fundo) Posso falar?
DONA IRACEMA: Claro, Seu Giacomo.
SEU GIACOMO: (levantando-se, apoiado numa bengala) Vocês ficam aí brigando se somos importantes no cosmos infinito. Mas tem um escritor americano, aquele Hemingway, que disse uma coisa simples: "Se você conhece uma aldeia, você conhece o mundo."
VANDÃO: Como assim, Seu Giacomo?
SEU GIACOMO: Ora, tudo que acontece no mundo acontece aqui também. Amor, ódio, poder, injustiça, solidariedade, fé, dúvida. Tudo. A escala é menor, mas a coisa é a mesma. Vocês ficam preocupados se Santo Antônio importa pro universo. Mas eu te pergunto: Santo Antônio importa pra Santo Antônio?
PADRE ANSELMO: (lentamente) Importa...
VANDÃO: (também pensativo) E como...
SEU GIACOMO: Então parem de olhar pro infinito e olhem pra Dona Olinda que tá com câncer. Parem de medir o cosmos e meçam quantas famílias vão passar fome esse mês. O universo não precisa de vocês. Mas Santo Antônio precisa. (pausa) E se vocês cuidarem bem daqui, vocês vão estar cuidando do mundo inteiro. Porque aqui é o mundo inteiro. Só que em miniatura.
DONA IRACEMA: (emocionada) Seu Giacomo... isso é filosofia de verdade.
SEU GIACOMO: (rindo) Isso é bom senso de velho. Que é a mesma coisa, só que sem palavrão difícil.
PADRE ANSELMO: (para Vandão) Ele tá certo, né?
VANDÃO: Tá. Completamente certo. (pausa) A gente pode ser insignificante cosmicamente, mas ser essencial localmente.
PADRE ANSELMO: O sertão é do tamanho do mundo.
VANDÃO: (surpreso) Guimarães Rosa?
PADRE ANSELMO: Tu leu?
VANDÃO: Li. E tu?
PADRE ANSELMO: Li. (pausa) A gente tem mais em comum do que eu pensava.
SEU GIACOMO: Claro que tem. Vocês dois vivem na mesma aldeia. E quem conhece uma aldeia...
PADRE ANSELMO e VANDÃO: (juntos) ...conhece o mundo.
DONA IRACEMA: Última pergunta, também do Seu Giacomo: "Vocês dois brigam há vinte anos. Mas quando meu galpão pegou fogo, vocês dois apareceram juntos com a brigada voluntária. Vocês dois estavam na frente. Então me digam: essa briga de vocês é real ou é teatro?"
[Silêncio absoluto. Padre Anselmo e Vandão se entreolham. Sorriem sem jeito]
PADRE ANSELMO: Seu Giacomo... (coça a cabeça) ...acho que é um pouco dos dois.
VANDÃO: É que... (também sem jeito) ...a gente discorda de verdade em muita coisa.
PADRE ANSELMO: Eu acho que ele está errado sobre Deus.
VANDÃO: Eu acho que ele está errado sobre a religião.
PADRE ANSELMO: Eu acho o comunismo uma utopia impossível.
VANDÃO: Eu acho a Igreja uma instituição falida.
PADRE ANSELMO: (pausa) Mas...
VANDÃO: ...mas...
JUNTOS: ...mas queremos a mesma coisa.
SEU GIACOMO: E o que é?
PADRE ANSELMO: Que ninguém passe fome em Santo Antônio.
VANDÃO: Que ninguém perca a terra por doença.
PADRE ANSELMO: Que os jovens não tenham que ir embora.
VANDÃO: Que os velhos não morram sozinhos.
PADRE ANSELMO: Que... (olha para Vandão) ...que a gente cuide uns dos outros.
VANDÃO: (olha de volta) É. Isso.
SEU GIACOMO: Então por que brigam?
[Longo silêncio]
PADRE ANSELMO: (honestamente) Não sei.
VANDÃO: (também honesto) Costume?
[Riso geral no salão. A tensão quebra completamente]
DONA IRACEMA: Senhores, acho que chegamos a uma conclusão filosófica importante esta noite.
VANDÃO: Qual?
DONA IRACEMA: Que o infinito do universo não dá a mínima para nossas discussões teológicas, mas Santo Antônio do Vale precisa que vocês dois parem de medir quem tem a verdade absoluta e continuem cuidando das pessoas. Com sinceridade. Com moções cardíacas retas e íntegras. Porque, como disse o Hemingway: se você conhece uma aldeia, você conhece o mundo. E cuidar dessa aldeia é cuidar do mundo inteiro.
PADRE ANSELMO: (para Vandão) Ela tá dizendo que a gente é besta.
VANDÃO: Ela tá. Mas tá certa.
PADRE ANSELMO: (estendendo a mão) Então... menos brigas ideológicas, mais chimarrão e trabalho?
VANDÃO: (apertando) Fechado. Mas eu ainda acho que religião é problemática.
PADRE ANSELMO: E eu ainda vou rezar pela tua conversão.
VANDÃO: Perda de tempo.
PADRE ANSELMO: É o que tu diz.
[Sorriem. Abraçam-se. Plateia aplaude]
SEU GIACOMO: (do fundo) Só uma coisa, padre.
PADRE ANSELMO: Diga, Seu Giacomo.
SEU GIACOMO: Se Jesus preferia pecadores sinceros a religiosos hipócritas... e se o universo é infinito e nós somos minúsculos... e se o que importa é cuidar uns dos outros...
PADRE ANSELMO: Sim?
SEU GIACOMO: ...pra que serve a Igreja?
[Silêncio pesado]
PADRE ANSELMO: (longo silêncio, depois, honestamente) Pra lembrar a gente disso. Que sem a comunidade, sem esse cuidado, a gente se perde. A Igreja, quando funciona direito, é só isso: um lugar onde a gente lembra que não tá sozinho. Que tem que cuidar uns dos outros. (pausa) O problema é quando ela esquece disso e vira... poder. Controle. Hipocrisia.
VANDÃO: (suavemente) Que nem o partido, quando esquece dos trabalhadores e vira só briga por cargo.
PADRE ANSELMO: (olhando pra ele) É. Que nem o partido.
DONA IRACEMA: Então ambos - Igreja e partido - são só ferramentas. E podem ser bem usadas ou mal usadas.
PADRE ANSELMO e VANDÃO: (juntos) Sim.
SEU GIACOMO: Então parem de brigar pela ferramenta e voltem pro trabalho. A aldeia precisa de vocês.
[Aplausos]
EPÍLOGO: DE VOLTA À IGREJA
[Madrugada. Padre Anselmo acende as velas, prepara chimarrão. Olha para o Cristo]
PADRE ANSELMO: Senhor... acho que entendi uma coisa hoje.
CRISTO: Conta.
PADRE ANSELMO: Talvez não importe tanto se o Vandão acredita em Ti. Talvez importe que ele... que ele vive como Tu pediu. Mesmo sem saber. Como o Bom Samaritano. Herege, mas compassivo.
CRISTO: (sorrindo) Demorou.
PADRE ANSELMO: O Senhor sabia?
CRISTO: Anselmo, eu sou Deus. Claro que sabia. Mas tu precisava descobrir sozinho.
PADRE ANSELMO: E... e isso não diminui a importância da fé?
CRISTO: Diminui a importância das certezas absolutas. Que é bem diferente. Fé com humildade é uma coisa. Arrogância teológica é outra. Eu prefiro um ateu humilde a um fariseu arrogante. Sempre preferi. Eu disse isso, Anselmo. Várias vezes.
PADRE ANSELMO: Então... então ateus sinceros...
CRISTO: São melhores que crentes hipócritas. Sempre foram. Eu falei isso há dois mil anos. Fariseus, lembra? "Raça de víboras"? Eu não fui sutil.
PADRE ANSELMO: (rindo) Bah, é mesmo. (pausa) Senhor, o universo é mesmo infinito?
CRISTO: É.
PADRE ANSELMO: E... e eu sou insignificante nele?
CRISTO: Fisicamente? Sim. Moralmente? Cada vez que tu cuida de alguém, tu reorganiza o universo inteiro. Cada ato de bondade cria novas possibilidades. É a única mágica real que existe. (pausa) Hemingway tava certo: se você conhece uma aldeia, você conhece o mundo. Pequena vila, grandes atos. É assim que funciona.
PADRE ANSELMO: Então... então não é sobre tamanho cósmico.
CRISTO: Nunca foi. É sobre sinceridade, compaixão, amor. Moções cardíacas retas e íntegras. O resto é conversa fiada de teólogo entediado.
PADRE ANSELMO: (chocado) Senhor!
CRISTO: (rindo) Desculpa, não resisti. Mas é verdade. Agora vai dormir. Amanhã tu tem que visitar a Olinda de novo. E levar um bolo, não só tomar o chimarrão dela.
PADRE ANSELMO: (envergonhado) Tá bom...
CRISTO: E Anselmo?
PADRE ANSELMO: Sim, Senhor?
CRISTO: Para de brigar com o Vandão. Vocês são a mesma pessoa com vocabulários diferentes. Cuidam da mesma aldeia. E cuidar de uma aldeia com sinceridade é cuidar do mundo inteiro.
PADRE ANSELMO: (rindo) Vou tentar, Senhor.
[Apaga as velas. Sai. Lua cheia sobre Santo Antônio do Vale. Na prefeitura, uma luz ainda acesa. Vandão termina de organizar cestas básicas para a semana. Igreja e prefeitura, cada uma cuidando da aldeia. Do seu jeito. Com sinceridade]
LIÇÕES DA AULA (PARA QUEM AINDA NÃO ENTENDEU)
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O universo é infinito. Você é minúsculo. Aceite. Isso não tira seu valor, apenas sua prepotência.
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Sinceridade > Ideologia. Um ateu compassivo vale mais que um crente cruel. Jesus disse isso explicitamente (Mateus 23, Lucas 10, Lucas 18).
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Moções cardíacas retas e íntegras > Ortodoxia. Intenções sinceras e ações compassivas importam mais que teologia correta.
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Religiões brigam por poder, não por Deus. Se Deus é infinito, não precisa de seu marketing.
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Ação > Crença. Alimentar um faminto importa mais que ter a teologia correta sobre o pão.
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Jesus odiava fariseus. Religiosos hipócritas receberam suas críticas mais duras. Pecadores sinceros receberam seu amor.
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Não existe "Parábola do Bom Fariseu". Existe a do Bom Samaritano - o herege compassivo que envergonhou os religiosos ortodoxos.
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Pequenas comunidades sabem o que acadêmicos esquecem: que conhecer o nome das crianças importa mais que conhecer o nome das estrelas.
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Swift estava certo: somos ridículos em nossas pretensões.
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Twain estava certo: somos engraçados em nossas contradições.
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Guareschi estava certo: somos, no fim, apenas humanos tentando cuidar uns dos outros. E isso basta.
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Hemingway estava certo: "Se você conhece uma aldeia, você conhece o mundo." Todas as grandes questões humanas cabem em Santo Antônio do Vale. Você pode ser cosmicamente insignificante e localmente essencial. O sertão é do tamanho do mundo. Cuide da sua aldeia e você estará cuidando do mundo inteiro.
Texto criado pela IA Claude Sonnet 4.5 - Responsável Ingo Dietrich Söhngen.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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OBRAS LITERÁRIAS PRINCIPAIS
Giovannino Guareschi
- GUARESCHI, Giovannino. Mondo Piccolo: Don Camillo. Milano: Rizzoli, 1948.
- GUARESCHI, Giovannino. Don Camillo e il suo gregge. Milano: Rizzoli, 1953.
- GUARESCHI, Giovannino. Il compagno Don Camillo. Milano: Rizzoli, 1963.
- GUARESCHI, Giovannino. Don Camillo e i giovani d'oggi. Milano: Rizzoli, 1969.
- GUARESCHI, Giovannino. The Little World of Don Camillo (tradução inglesa). London: Penguin Books, 1950.
Jonathan Swift
- SWIFT, Jonathan. Gulliver's Travels (1726). Oxford: Oxford University Press, 2008.
- Especialmente: "A Voyage to Brobdingnag" (questão da escala humana) e "A Voyage to Laputa" (crítica aos acadêmicos abstratos)
- SWIFT, Jonathan. A Modest Proposal (1729). In: A Modest Proposal and Other Satirical Works. New York: Dover Publications, 1996.
- Sátira devastadora sobre indiferença à pobreza
- SWIFT, Jonathan. A Tale of a Tub (1704). Oxford: Oxford University Press, 2008.
- Sátira sobre disputas religiosas entre católicos, anglicanos e presbiterianos
Mark Twain
- TWAIN, Mark. The Adventures of Huckleberry Finn (1884). New York: Dover Publications, 1994.
- Crítica à hipocrisia religiosa do sul americano
- TWAIN, Mark. Letters from the Earth (publicado postumamente, 1962). New York: Harper Perennial, 2004.
- Sátira devastadora sobre teologia e religião
- TWAIN, Mark. The Mysterious Stranger (1916). New York: Dover Publications, 1992.
- Reflexão sobre moralidade sem Deus
- TWAIN, Mark. Following the Equator (1897). Hartford: American Publishing Company, 1897.
- "Man is the only animal that has the True Religion—several of them"
Ernest Hemingway
- HEMINGWAY, Ernest. The Old Man and the Sea (1952). New York: Scribner, 1995.
- Um velho pescador em Cuba = toda a condição humana
- HEMINGWAY, Ernest. A Moveable Feast (1964, póstumo). New York: Scribner, 2009.
- Memórias de Paris nos anos 1920 - sobre escrever o específico para capturar o universal
- HEMINGWAY, Ernest. Death in the Afternoon (1932). New York: Scribner, 1996.
- "All good books are alike in that they are truer than if they had really happened"
FILOSOFIA E TEOLOGIA
Crítica à Religião
- MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Sobre a Religião. Lisboa: Edições 70, 1975.
- Especialmente: "Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel" (1843) - origem da expressão "ópio do povo"
- FEUERBACH, Ludwig. A Essência do Cristianismo (1841). Petrópolis: Vozes, 2007.
- Argumento de que Deus é projeção humana
- NIETZSCHE, Friedrich. O Anticristo (1888). São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
- RUSSELL, Bertrand. Por que não sou cristão (1927). Porto Alegre: L&PM, 2009.
Defesa da Fé
- AQUINO, Tomás de. Suma Teológica (1265-1274). São Paulo: Loyola, 2001-2006. 9v.
- Especialmente: Prima Pars, Questão 2 (existência de Deus); Secunda Secundae (sobre virtudes)
- AGOSTINHO, Santo. Confissões (397-398). São Paulo: Paulus, 1984.
- "Nosso coração está inquieto até repousar em Ti"
- LEWIS, C.S. Cristianismo Puro e Simples (1952). São Paulo: Martins Fontes, 2005.
- SANTO INÁCIO DE LOYOLA. Exercícios Espirituais (1548). São Paulo: Loyola, 2000.
- Sobre "discernimento de espíritos" e moções interiores
Filosofia da Religião
- KIERKEGAARD, Søren. Temor e Tremor (1843). São Paulo: Abril Cultural, 1979.
- Fé como salto, não como certeza racional
- PASCAL, Blaise. Pensamentos (1670). São Paulo: Martins Fontes, 2005.
- "O silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora" (Pensamento 201) - sobre a questão da escala cósmica
- Pensamento 72: "O homem não é senão um caniço, o mais fraco da natureza, mas é um caniço pensante"
- HUME, David. Diálogos sobre a Religião Natural (1779). São Paulo: Martins Fontes, 1992.
- Ceticismo sobre argumentos teológicos
TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
(Relevante para o conflito Igreja-Socialismo)
- BOFF, Leonardo. Igreja: Carisma e Poder. Petrópolis: Vozes, 1981.
- Condenado pelo Vaticano, exemplifica tensão entre evangelho social e hierarquia institucional
- GUTIÉRREZ, Gustavo. Teologia da Libertação. Petrópolis: Vozes, 1975.
- "Opção preferencial pelos pobres"
- COMBLIN, José. O Caminho: Ensaio sobre o seguimento de Jesus. São Paulo: Paulus, 2004.
COSMOLOGIA E ESCALA
(A Questão do Infinito)
- SAGAN, Carl. Cosmos (1980). New York: Random House, 2002.
- Capítulo 1: "The Shores of the Cosmic Ocean" - sobre insignificância cósmica humana
- SAGAN, Carl. Pálido Ponto Azul (1994). São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
- Reflexão sobre a fotografia da Terra vista de 6 bilhões de km - escala humana no cosmos
- HAWKING, Stephen. Uma Breve História do Tempo (1988). Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015.
- GREENE, Brian. O Tecido do Cosmos. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
ÉTICA SECULAR
- SINGER, Peter. Ética Prática (1979). São Paulo: Martins Fontes, 2002.
- Defesa de moralidade sem fundamento religioso
- COMTE-SPONVILLE, André. O Espírito do Ateísmo: Introdução a uma espiritualidade sem Deus. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
- "Pode-se ser ateu e espiritual"
- PINKER, Steven. Os Anjos Bons da Nossa Natureza (2011). São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
- Argumento sobre progresso moral secular
- HAIDT, Jonathan. The Righteous Mind: Why Good People Are Divided by Politics and Religion. New York: Pantheon, 2012.
HISTÓRIA DA IGREJA E PODER
- DUFFY, Eamon. Santos e Pecadores: História dos Papas. São Paulo: Cosac & Naify, 1998.
- História crítica do papado, incluindo alianças políticas
- BROWN, Peter. Santo Agostinho: Uma Biografia. Rio de Janeiro: Record, 2005.
- DESCHNER, Karlheinz. História Criminal do Cristianismo. Lisboa: Edições 70, 2004. 8v.
- Crítica devastadora das alianças Igreja-poder ao longo dos séculos
- JOHNSON, Paul. História do Cristianismo. Rio de Janeiro: Imago, 2001.
CONTEXTO ITALIANO (Don Camillo)
- GINSBORG, Paul. A History of Contemporary Italy: Society and Politics 1943-1988. London: Penguin, 1990.
- Contexto do PCI (Partido Comunista Italiano) no pós-guerra
- MICCOLI, Giovanni. La Chiesa e il Fascismo. Roma: Laterza, 2000.
- GIOVETTI, Paola. Giovannino Guareschi: Una Storia Semplice. Milano: Rizzoli, 2008.
- LAGORIO, Gina. Don Camillo: Storia e Gloria di Giovannino Guareschi. Milano: Rizzoli, 2008.
CONTEXTO BRASILEIRO (Serra Gaúcha)
- GIRON, Loraine Slomp. Colonização Italiana no Rio Grande do Sul: Correspondência Consular. Caxias do Sul: EDUCS, 1994.
- CONSTANTINO, Núncia Santoro de. O Italiano da Esquina: Imigrantes Meridionais na Sociedade de Porto Alegre. Porto Alegre: EST Edições, 1991.
- MANFROI, Olívio. A Colonização Italiana no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Grafosul, 1975.
- DE BONI, Luis Alberto; COSTA, Rovílio. Os Italianos do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EST/Caxias do Sul: UCS, 1979.
FILOSOFIA MORAL E SINCERIDADE
- KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785). Lisboa: Edições 70, 2007.
- Especialmente: imperativo categórico e boa vontade como único bem incondicional
- ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2002.
- Sobre virtude, caráter e phronesis (sabedoria prática)
- LEVINAS, Emmanuel. Totalidade e Infinito (1961). Lisboa: Edições 70, 2008.
- Ética da alteridade - o Outro antes do sistema
- SINCERIDADE. In: Wikipédia: A enciclopédia livre. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Sinceridade.
- "Sinceridade é definida como a virtude daquele que é verdadeiro, franco e honesto perante outros, sem simular, dissimular ou enganar"
O UNIVERSAL NO PARTICULAR
(Literatura e Filosofia da Aldeia)
Literatura
- FAULKNER, William. The Sound and the Fury (1929). New York: Vintage, 1990.
- Yoknapatawpha County como microcosmo do Sul americano e da condição humana
- JOYCE, James. Dubliners (1914). Oxford: Oxford University Press, 2008.
- Contos sobre Dublin = contos sobre a humanidade
- JOYCE, James. Ulysses (1922). New York: Vintage, 1990.
- Um dia em Dublin = Odisseia universal
- ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas (1956). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
- "O sertão é do tamanho do mundo"
- GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel. Cem Anos de Solidão (1967). Rio de Janeiro: Record, 2014.
- Macondo = América Latina = humanidade
- LISPECTOR, Clarice. A Hora da Estrela (1977). Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
- Vida de Macabéa (datilógrafa pobre) = existência humana universal
- TOLSTÓI, Liev. Guerra e Paz (1869). São Paulo: Cosac Naify, 2011.
- "Se você quer ser universal, comece descrevendo sua aldeia"
- TOLSTÓI, Liev. Anna Karenina (1877). São Paulo: Cosac Naify, 2005.
Crítica Literária sobre o Particular/Universal
- BAKER, Carlos. Ernest Hemingway: A Life Story. New York: Scribner, 1969.
- Biografia crítica sobre a filosofia literária de Hemingway
- REYNOLDS, Michael. Hemingway: The Paris Years. New York: W.W. Norton, 1989.
- AUERBACH, Erich. Mimesis: A Representação da Realidade na Literatura Ocidental (1946). São Paulo: Perspectiva, 2007.
- Como o particular histórico revela o universal humano
Filosofia
- HEGEL, G.W.F. Fenomenologia do Espírito (1807). Petrópolis: Vozes, 2002.
- Dialética particular-universal
- HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo (1927). Petrópolis: Vozes, 2005.
- Dasein específico como acesso ao Ser universal
- MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção (1945). São Paulo: Martins Fontes, 1999.
- Experiência corporificada particular como acesso ao mundo
Sociologia/Antropologia da Aldeia
- LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes Trópicos (1955). São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
- Estudo de sociedades "pequenas" revelando estruturas universais
- GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas (1973). Rio de Janeiro: LTC, 2008.
- "Descrição densa" - o particular revela o cultural
- MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacífico Ocidental (1922). São Paulo: Abril Cultural, 1976.
- Estudo detalhado de uma sociedade insular revelando universais humanos
- REDFIELD, Robert. The Little Community and Peasant Society and Culture. Chicago: University of Chicago Press, 1960.
- Teoria sociológica da "pequena comunidade"
TEXTOS BÍBLICOS CITADOS
- BÍBLIA SAGRADA. Tradução: Nova Versão Internacional. São Paulo: Vida, 2000.
Sobre os Fariseus:
- Mateus 23:1-39 - Os sete "ais" contra os fariseus
- v. 2-3: "Os fariseus se assentam na cadeira de Moisés... façam o que dizem, mas não o que fazem"
- v. 4: "Atam fardos pesados nos ombros dos homens, mas não movem um dedo"
- v. 23: "Dão dízimo da hortelã... mas negligenciam justiça, misericórdia e fidelidade"
- v. 27: "Sepulcros caiados: bonitos por fora, cheios de ossos por dentro"
- v. 33: "Serpentes! Raça de víboras!"
- Lucas 18:9-14 - Parábola do Fariseu e do Publicano
- Mateus 9:10-13 - Cristo come com pecadores: "Não vim chamar justos, mas pecadores"
- João 8:1-11 - Mulher adúltera: fariseus a usam como armadilha
Sobre Compaixão:
- Lucas 10:25-37 - Parábola do Bom Samaritano
- Mateus 25:31-46 - Juízo Final: "Tive fome e me destes de comer... era eu"
Sobre Riqueza:
- Mateus 19:24 - "Mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha..."
- Lucas 12:33 - "Vendei os vossos bens e dai esmolas"
- Mateus 21:12-13 - Expulsão dos vendilhões do templo
Sobre Fé e Obras:
- Tiago 2:14-26 - "Fé sem obras é morta"
- Mateus 7:21 - "Nem todo que me diz 'Senhor, Senhor' entrará no Reino"
ESTUDOS BÍBLICOS ACADÊMICOS
- LEVINE, Amy-Jill. Short Stories by Jesus: The Enigmatic Parables of a Controversial Rabbi. New York: HarperOne, 2014.
- Capítulo sobre o Bom Samaritano - contexto histórico do ódio judeu-samaritano
- CROSSAN, John Dominic. The Power of Parable: How Fiction by Jesus Became Fiction about Jesus. New York: HarperOne, 2012.
- Análise da subversão social nas parábolas de Cristo
- BAILEY, Kenneth E. Jesus Through Middle Eastern Eyes: Cultural Studies in the Gospels. Downers Grove: IVP Academic, 2008.
- Contexto cultural das parábolas
- EHRMAN, Bart D. Jesus, Interrupted: Revealing the Hidden Contradictions in the Bible. New York: HarperOne, 2009.
- BERGMANN, Jacinto Dom. Construir vasos "sin cera". UCPEL - Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 9 dez. 2022. Disponível em: https://ucpel.edu.br/noticias/artigo-construir-vasos-sin-cera
SOBRE IRONIA E SÁTIRA
(Metodologia Literária)
- BOOTH, Wayne C. A Rhetoric of Irony. Chicago: University of Chicago Press, 1974.
- HUTCHEON, Linda. Irony's Edge: The Theory and Politics of Irony. London: Routledge, 1994.
- FRYE, Northrop. Anatomia da Crítica (1957). São Paulo: Cultrix, 1973.
- Sobre sátira como modo literário
- BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento. São Paulo: Hucitec, 1987.
- Sobre riso, inversão e carnavalização
OBRAS COMPLEMENTARES DE REFERÊNCIA
- CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo (1942). Rio de Janeiro: Record, 2004.
- Sobre significado em universo absurdo
- DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os Irmãos Karamázov (1880). São Paulo: Editora 34, 2008.
- Especialmente: "A Lenda do Grande Inquisidor" (Livro V, cap. 5) - Igreja vs Cristo
- VOLTAIRE. Cândido, ou o Otimismo (1759). Porto Alegre: L&PM, 1998.
- Sátira sobre teodiceia e "melhor dos mundos possíveis"
- VOLTAIRE. Dicionário Filosófico (1764). São Paulo: Abril Cultural, 1973.
- Verbetes irônicos sobre religião
FILMES (Série Don Camillo)
- Don Camillo (1952). Dir. Julien Duvivier. Com Fernandel (Don Camillo) e Gino Cervi (Peppone).
- Le Retour de Don Camillo (1953). Dir. Julien Duvivier.
- La Grande Bagarre de Don Camillo (1955). Dir. Carmine Gallone.
- Don Camillo Monseigneur (1961). Dir. Carmine Gallone.
- Il Compagno Don Camillo (1965). Dir. Luigi Comencini.
NOTA METODOLÓGICA
Esta aula utiliza o método da sátira filosófica, tradição que remonta a:
- Luciano de Samósata (125-181 d.C.) - Diálogos dos Deuses - sátira da mitologia grega
- Erasmo de Roterdã - Elogio da Loucura (1511) - sátira da Igreja medieval
- Voltaire - Cândido (1759), Dicionário Filosófico (1764) - sátira iluminista
- Swift - Gulliver's Travels (1726) - sátira da natureza humana
- Twain - Letters from the Earth (1962, póstumo) - sátira teológica americana
- Guareschi - série Don Camillo (1948-1969) - sátira política italiana
A Técnica Consiste Em:
- Rebaixamento - personagens elevados (padre, político) em situações cotidianas (chimarrão, grappa)
- Inversão - inimigos ideológicos concordando no essencial
- Exagero - para revelar verdade subjacente
- Anacronismo deliberado - divindade com linguagem coloquial gaúcha
- Compaixão final - sátira que humaniza, não destrói (diferente de Swift, mais próxima de Guareschi)
- Uso de parábolas - estrutura narrativa que Cristo usava, aplicada à vila brasileira
- Sabedoria popular - Seu Giacomo e Dona Iracema como chorus grego
- Universal no particular - todas as grandes questões humanas contidas em Santo Antônio do Vale (Hemingway)
Fontes Filosóficas da Estrutura:
- Diálogos Platônicos - estrutura de debate filosófico
- Sátiras Menipeias (Luciano) - mistura de sério e cômico
- Commedia dell'arte italiana - tipos fixos em situações variadas
- Teatro de Arena brasileiro (Boal, Guarnieri) - teatro político com humor popular
TOTAL APROXIMADO DE REFERÊNCIAS
Obras citadas ou aludidas: 80+
Tradições filosóficas mobilizadas:
- Ceticismo religioso (Hume, Russell, Nietzsche)
- Teologia natural (Aquino, Agostinho)
- Existencialismo (Kierkegaard, Camus)
- Ética secular (Singer, Comte-Sponville)
- Crítica marxista (Marx, Teologia da Libertação)
- Cosmologia científica (Sagan, Hawking, Pascal)
- Filosofia moral (Kant, Aristóteles, Levinas)
- Fenomenologia (Heidegger, Merleau-Ponty)
Gêneros literários combinados:
- Comédia de caracteres (Guareschi)
- Sátira social (Swift, Twain, Voltaire)
- Diálogo filosófico (Platão, Hume)
- Realismo regional (contexto gaúcho-italiano)
- Parábola evangélica (estrutura narrativa de Cristo)
- Literatura do universal no particular (Hemingway, Faulkner, Rosa)
Textos bíblicos mobilizados: 15+ passagens diretas
FIM
(Sirva com vinho colonial, polenta brustolada, muito chimarrão e muita humildade. Lembre-se: se você conhece uma aldeia, você conhece o mundo. Cuide da sua.)
NOTA FINAL: Esta aula pode ser apresentada como leitura dramática, peça teatral em um ato, ou simplesmente lida como conto filosófico.
O chimarrão e a grappa são opcionais, mas recomendados.
A sinceridade é obrigatória.