A ONÇA!
A Amazônia!
O pulmão do mundo, o berço de lendas, e, para a família Silva, o cenário de
umas férias que prometiam ser inesquecíveis. E foram. Apenas não pelos motivos
que eles imaginavam.
O hotel de
selva era uma obra-prima de equilíbrio. Um "luxo rústico", como dizia
o folheto, que se traduzia em camas com mais fios egípcios do que um sarcófago
de faraó, e paredes de madeira que te lembravam, a cada instante, que do lado
de fora havia um ecossistema inteiro indiferente à sua existência.
Naquela
noite, a matriarca, Dona Margarida, capotou. Após um dia de trilha sob um sol
inclemente, caça (fotográfica) a jacarés e transpiração em níveis industriais,
ela se entregou ao sono com a determinação de um urso hibernando. No bangalô ao
lado, seu marido, Roberto, e os dois filhos, o pré-adolescente Léo e o pequeno
João, se acomodavam. A selva sussurrava lá fora, uma sinfonia de estalos,
zumbidos e coaxares que parecia pulsar junto com o sangue.
Até que um
novo instrumento, brutal e dissonante, rasgou a orquestra noturna.
"GRRRRROOOOONNNNC."
Era um som
baixo, gutural, uma vibração que pareceu nascer no assoalho de madeira, subir
pelas pernas da cama e alojar-se no fundo do estômago. Léo, que flutuava no
limiar do sono, sentou-se na cama com a rigidez de uma estátua, os olhos como
duas luas cheias no escuro. João, aninhado no braço do pai, se encolheu,
transformando-se num tatu-bola humano.
"Pai...
o que foi isso?", a voz de Léo era um fiapo, desprovida de toda a marra
dos seus doze anos.
Roberto,
sentindo o peso de mil gerações de pais protetores em seus ombros, engoliu em
seco. O som lhe congelou o sangue e fez com que suas tripas executassem um nó
cego ao redor do coração. Não havia engano. Era o som de uma onça. Uma
onça-pintada, a rainha fantasma daquelas matas, e pelo visto, ela tinha
escolhido a varanda deles para lamber as patas.
"Calma,
filho", disse ele, mas a voz que saiu de sua garganta era a de um
estranho, duas oitavas mais alta. "Deve ser só... um bicho do mato.
Grande. Bem grande. Mas do mato."
João
começou a choramingar, um som agudo que cortava o ar tenso. "A onça vai
comer a gente, papai?"
"Claro
que não!", bradou Roberto, inflando o peito numa tentativa de
autoconvencimento. Ele era o alfa, o protetor, o Rambo da família Silva.
"Nenhuma onça se atreveria a mexer com a gente! Eu estou aqui!"
Nesse exato
instante, seu coração, que já batia forte, disparou numa bateria de escola de
samba desgovernada. A pancada em suas costelas foi tão violenta que o ar lhe
escapou dos pulmões num soluço audível, e um calafrio glacial percorreu sua
espinha, fazendo-o tremer da cabeça aos pés. Droga, pensou ele, o
Rambo está prestes a ter um colapso cardiovascular.
"GRRRRRRROOOOOOOOONNNNC-FUUUUUUU..."
O segundo
rosnado foi mais longo, mais profundo. E terminou com um assobio sibilante,
quase um... ronronar? Onças ronronam depois de encurralar a presa? Léo e João
se fundiram ao pai, transformando os três numa única massa trêmula de pavor,
suas unhas cravadas no braço dele. O tremor involuntário de Roberto tornou-se a
menor de suas preocupações.
"Pai,
faz alguma coisa!", implorou Léo, a voz rachada pelo pânico.
Com o
cérebro em chamas, Roberto perscrutou o quarto em busca de uma arma. Seu
arsenal: um abajur de bambu com uma cúpula frouxa e seu chinelo de dedo. Contra
um predador de setenta quilos, não era exatamente o que se poderia chamar de
dissuasão.
Foi então
que o som mudou de novo, quebrando sua cadência primal.
"GRRRRROOOOONNNNC-fuuuu...
nhéééé... GRONC!"
Aquele
"nhéééé" no meio. Um suspiro, um engasgo... familiar. Havia um padrão
ali, uma dissonância cognitiva. Roberto parou. Os filhos, sentindo a mudança na
rigidez do pai, também pararam de tremer. Olharam-se no breu, uma centelha de
reconhecimento lutando para acender em meio ao terror absoluto.
Lentamente,
como um soldado desarmando uma bomba, Roberto deslizou para fora da cama, com
os filhos a tiracolo. Pé ante pé, a família aterrorizada atravessou o quarto e
encostou o ouvido na parede que os separava da "fera".
O som era
inconfundível. Era o ronco de Dona Margarida. O mesmo ronco que já havia sido
confundido com o motor de um caminhão F-4000 e, numa ocasião memorável durante
uma viagem ao litoral, com um ritual de acasalamento de baleias-jubarte. Ali,
na acústica primorosa da selva amazônica, seu ronco épico, potencializado pelo
cansaço extremo, havia se transformado no esturro do mais temível dos
predadores.
O alívio
foi uma onda sísmica. E, como um tsunami, trouxe consigo uma crise de riso
silenciosa e convulsiva. Roberto, ainda sentindo o coração ecoar pelo corpo,
Léo, com o rosto manchado de lágrimas secas, e João, ainda agarrado à perna do
pai, começaram a se sacudir, as bocas apertadas, os ombros tremendo, tentando
abafar as gargalhadas para não acordar a "onça".
Na manhã
seguinte, no café da manhã, Dona Margarida bocejou, espreguiçando-se com a
satisfação de quem dormiu por um século.
"Nossa,
que noite maravilhosa! Dormi como uma pedra. E vocês, queridos? Aproveitaram o
silêncio da selva?"
Roberto e
os filhos trocaram um olhar cúmplice por cima das tapiocas. Um sorriso que
continha pavor, um coração quase parado e uma piada interna que duraria para
sempre.
"Ah,
mãe", disse Léo, com um brilho maroto nos olhos. "Foi... uma noite de
fortes emoções. A selva é realmente um lugar selvagem."
Redação com auxílio da IA GPT 4.1 e base fática do "autor".
"A Onça!" por Ingo
Dietrich Söhngen © 2025.
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1. https://www.youtube.com/watch?v=8MYLC_bZVU4 - som de onça pintada
2. https://www.google.com/search?sca_esv=9ae922c597ea1563&cs=0&sxsrf=AE3TifMN9GLtQFop1zQa3DC1JDelFsSgfw:1751759059666&q=Canto+da+on%C3%A7a+pintada+f%C3%AAmea&sa=X&ved=2ahUKEwjp2e2D86aOAxXMHLkGHefTFuYQpboHKAJ6BAgCEAQ&biw=1360&bih=633&dpr=1#fpstate=ive&vld=cid:6e683472,vid:3piVjbTtjG4,st:0