Um Relato de Minha Chegada a Trumpetia e das Estranhas Afeições de Seu Governante
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Após minha fuga das abstrações rarefeitas de Lupada(2), as correntes oceânicas me conduziram a uma costa dominada por uma colossal estátua feminina de semblante impassível e porte majestoso quando não voluptuoso, que parecia saudar eternamente os recém-chegados com uma tocha erguida em promessa de liberdade. A terra era chamada Trumpetia, e o ar, pesado com o aroma de fritura e carne grelhada - outrora importada de Tropicália - vibrava com uma peculiar noção de liberdade que soava, a todo instante, como um slogan publicitário bem ensaiado.
O líder da nação era uma figura verdadeiramente
singular, notável por seu tom de pele reminiscente de um pôr-do-sol alaranjado
e um arranjo capilar que mais parecia uma criatura dourada e exótica adormecida
sobre sua cabeça. Governava não de um trono tradicional, mas de uma cadeira
ostensivamente dourada, relíquia de seus tempos como apresentador de um
programa de competição onde se tornara célebre por dispensar candidatos com a
frase seca e implacável: "You're fired!" Descobri, para meu
crescente assombro, que ele havia desenvolvido tal afeição pela expressão que
agora a aplicava com liberalidade na vida real, "demitindo" de sua
própria nação as parcelas da população que ousavam contrariá-lo.
Fui conduzido à sua presença durante uma de suas
performances diárias diante das câmeras de um canal de notícias. Naquela
ocasião específica, defendia com fervor teatral um aliado político de um país
ao sul, a ensolarada e efervescente Tropicália.
"É uma desgraça sem precedentes! Pior que
aqueles episódios tediosos de Jornada nas Estrelas onde os personagens
apenas debatem filosofia!", bradava o Presidente, gesticulando com tal
energia que quase derrubou um copo de refrigerante de proporções desmesuradas.
"Meu amigo — um sujeito nota dez, o melhor, o mais honesto que já conheci,
e acreditem, conheço muitos homens honestos! — foi condenado por juízes togados! E por qual crime,
pergunto-vos? Simplesmente por ter, de maneira eminentemente patriótica,
questionado o resultado de uma eleição que... bem, que ele perdeu! Meros
detalhes! Ele desejava apenas agradar seu povo, o devotado povo do cercadinho
que o venera! Eles o amam como amam cerveja gelada e sanduíche de mortadela!
Inclusive, demonstraram seu apreço numa tarde de domingo, passeando pela
capital e espalhando... flores."
A menção à iguaria popular me pareceu estranha, mas
um assessor me segredou que se tornara símbolo de união entre os seguidores
mais devotos do tal aliado. Quanto à questão das flores, permaneci igualmente
intrigado, pois, pelos sussurros que captei nos corredores, de flores não se
tratara naquela memorável tarde de domingo.
O Presidente então se voltou para um general cuja
expressão impassível sugeria décadas de resignação profissional. "General,
mobilizem os navios! E os aviões! Os mais formidáveis, os mais
'inacreditáveis', os melhores que já navegaram os mares ou cortaram os céus!
Zarparemos para a costa de Tropicália e demonstraremos o que acontece quando se
persegue um amigo do grandioso povo de Trumpetia!"
Um silêncio sepulcral tomou o recinto, interrompido apenas pelo distante som melódico de um vendedor de sorvetes que, do lado externo do palácio, anunciava seus produtos com toques de trompete de plástico.
Como observador imparcial, mal consegui conter um
sorriso diante da completa desproporção do discurso. Falava de sua marinha como
se fosse a única peça no tabuleiro mundial, esquecendo-se, em sua bravata
histriônica, de um discreto consórcio de nações conhecido nos bastidores
diplomáticos como "Os Ursos e os Dragões".
Estes países, muito menos inclinados a espetáculos
públicos e governados por líderes que não pareciam ter saído de uma caricatura,
possuíam — segundo mapas que consultei clandestinamente, escondidos no verso de
um cardápio de pizzaria — arsenais discretos porém terrivelmente eficientes.
Suas armas poderiam converter a orgulhosa armada de Trumpetia em recifes
artificiais para mergulhadores em menos tempo do que se leva para dourar um pão
de queijo no forno.
A cena era de uma ironia requintada: um
homem-laranja, em seu palco dourado, ameaçando o mundo com seus custosos
brinquedos de guerra, enquanto do outro lado do globo, um dragão paciente e um
urso estoico o observavam, provavelmente com o mesmo divertimento de
espectadores assistindo a uma comédia de pastelão particularmente absurda.
Já o
presidente de Tropicália em elegante resposta ao presidente de Trumpetia
apresentou artigo em prestigiado jornal local e entre outras questões (onde
colocou os adultos na sala) afirmou: A democracia e a soberania de Tropicália
não estão em discussão e não são negociáveis.
Parti de Trumpetia carregando uma convicção
inabalável: a maior ameaça àquele povo não emanava de inimigos estrangeiros,
mas da monumental e hilariante sátira que eles próprios haviam democraticamente
elevado ao cargo supremo da nação.
Observação Particular do Viajante: Devo confessar ao leitor que, mesmo tendo testemunhado as mais singulares bizarrices em Lilliput, Brobdingnag, Lupada e entre os Houyhnhnms, o espetáculo que ora se desenrolava diante de meus olhos superava em absurdo e extravagância tudo quanto minha imaginação, por mais delirante que fosse em momentos de febre, jamais poderia ter arquitetado. Nem mesmo os mais engenhosos fabulistas de meu conhecimento seriam capazes de conceber tamanha inverossimilhança.
"Redator" responsável Ingo Dietrich Söhngen
Fontes: Swift, Jonathan. Gulliver's Travels (1726) • Trump, Donald. The Art of the Deal (1987) • The Apprentice (NBC, 2004-2017) • Vandré, Geraldo. "Pra não dizer que não falei das flores" (1968) • Invasão de 8 de janeiro de 2023, Brasília • Formação e expansão do BRICS • Hutcheon, Linda. A Theory of Parody (1985) • Müller, Jan-Werner. What Is Populism? (2016) • Star Trek (1966-presente). Jornais consultados pelas IAs: The New York Times, Washington Post, Folha de S.Paulo, O Globo, BBC Brasil. Créditos: Texto por IA Gemini 2.5 Pro e Claude Sonnet. Imagens por (1)SD3.5 Large e (3) DALL-E 3. (2) Laputa / ləˈpuːtə / (Lupada, Lapuda em espanhol) é uma ilha voadora descrita no livro de 1726 As Viagens de Gulliver de Jonathan Swift. [1] Tem cerca de 41/2 milhas (71/4 km) de diâmetro, com uma base adamantina, que seus habitantes podem manobrar em qualquer direção usando levitação magnética. A ilha é a casa do rei de Balnibarbi e sua corte, e é usada pelo rei para impor seu domínio sobre as terras abaixo. Fonte Wikipédia. A respeito de Swift leia o seguinte texto de DANIEL BENEVIDES: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0801201120.htm#:~:text=Os%20leitores%20que%20retornam%20a%20Gulliver%20(,de%20pol%C3%ADtica%2C%20sociedade%2C%20ci%C3%AAncia%2C%20justi%C3%A7a%20e%20educa%C3%A7%C3%A3o.