O Daniel chegou em Porto Alegre em 1932 com duas
coisas: uma vontade imensa de se integrar e sem qualquer entendimento do português.
Como todo recém-chegado, ele tinha curiosidade em decifrar os códigos locais. Aquela necessidade
de entender as regras não-escritas que separam as várias camadas sociais.
No cais, onde conseguiu emprego carregando sacos,
ele logo percebeu que tinha jeito para a coisa. Enquanto os estivadores veteranos
equilibravam o peso na cabeça com a elegância de equilibristas de circo, ele
desenvolveu sua própria técnica: o método do ombro. Funcionava perfeitamente.
Os colegas estranharam no começo, mas eficiência é eficiência. Recebeu uma
certa admiração e respeito. No final das
contas, todo mundo chegava no mesmo lugar, carregando o mesmo peso.
Foi numa tarde dessas, quando o sol de verão
transformava o cais numa sauna ao ar livre, que o convidaram para a roda de
samba. Mais de dez pessoas em volta de uma mesinha improvisada, cavaquinho no
meio, caipirinha gelada a iniciar a circulação. Como era o novato, o Daniel ganhou o privilégio do primeiro gole.
Aí que
mora o problema.
Achou que era como cerveja. Pegou o copo – um copão
generoso, daqueles que você respeita – e mandou ver. Emborcou tudo de uma vez,
tipo: "Saúde, pessoal!"
O silêncio que se seguiu foi daqueles que fazem
você se perguntar se não parou o tempo. Dez pares de olhos arregalados olhando
para ele como se tivesse acabado de cuspir no santo. Até que alguém, entre o
espanto e a admiração, soltou:
— Mas que
FDP!
Outros repetiram. "FDP aqui", "FDP
ali". O Daniel, que não entendia patavina, interpretou aquilo como uma
espécie de aprovação entusiasmada. Tipo um "Bravo!" ou "Muito
bem!". Ficou todo orgulhoso, foi no balcão, comprou outra rodada para todo
mundo e se despediu, convencido de que tinha passado no teste da turma.
Pronto.
Estava criado o mal-entendido.
Alguns dias depois, caminhando pela Otávio Rocha,
ele cruzou com um sujeito de voz alta, daqueles que falam como se tivessem
engolido um alto-falante. O Daniel, querendo ser simpático e demonstrar que já
estava "por dentro" da cultura local, abriu o sorriso e disparou:
— FDP!
A reação do homem foi... digamos, inesperada. A
cara de quem acaba de levar um tapa. O Daniel ficou sem entender. Achou que
talvez tivesse errado o tom. Tentou repetir com mais entusiasmo:
— FDP!
Piorou.
Horas depois chegou a intimação da delegacia. O Daniel,
que não sabia ler português, levou o papel para um conhecido traduzir. O homem
leu, releu, e demorou uns cinco minutos para conseguir explicar sem dar risada.
Na delegacia, a situação foi surreal. O inspetor,
sério como uma sentença, perguntou através do tradutor improvisado:
— Por que
o senhor chamou o cidadão de FDP?
A
resposta do Daniel foi de uma inocência tocante:
— Mas é a palavra que eu mais escuto aqui no Brasil! Achei que fosse tipo "Prost" (saúde) ou ""Grüß Gott" (Salve Deus) !
O inspetor piscou. Duas vezes. O escrivão baixou a
cabeça para disfarçar a risada. Do fundo da sala, o delegado soltou uma
gargalhada.
O ofendido, quando soube da confusão, riu mais que todo mundo.
Resultado: caso arquivado, queixa retirada, e o Daniel recebeu uma lição valiosa sobre as
sutilezas da comunicação intercultural.
A história virou lenda na família. O próprio Daniel,
anos depois, contava para os netos com aquele prazer de quem transformou uma
quase-tragédia em comédia de costumes.
Porque no fundo, no fundo, foi isso que aconteceu:
um imigrante tentando desesperadamente ser aceito, decifrando códigos errados e
criando situações que só a vida real tem coragem de inventar.
E a lição que fica é simples: cuidado com as
siglas. Elas podem significar qualquer coisa. Literalmente, qualquer
coisa. Inclusive quando se fala de partidos políticos e políticos.
Redação com auxílio de IAs - redação final Claude Sonnet 4. Imagem criada pela IA FLUX 1.1 [pro] Ultra. Redator Ingo Dietrich Söhngen
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional (CC BY-NC 4.0).
Disponível em: https://sohngen.blogspot.com/2025/09/o-codigo-secreto-o-daniel-em-porto.html
Para ver uma cópia desta licença, visite: https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/deed.pt_BR
Licença CC BY-NC 4.0 Esta licença permite compartilhar (copiar e redistribuir) e adaptar (remixar, transformar e criar)"FDP - O Código Secreto" em qualquer formato, desde que seja dado crédito adequado ao autor original com link para a fonte original e para a licença, indicando alterações feitas, sendo expressamente proibido o uso para fins comerciais. Não se pode adicionar restrições além das previstas, elementos em domínio público não são afetados, e o descumprimento cancela automaticamente os direitos concedidos, ressaltando-se que a licença pode não contemplar todas as permissões necessárias para certos usos.