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Escritório de Advocacia - Dra. Clarice Beatriz da Costa Söhngen e Ingo Dietrich Söhngen

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sábado, 19 de julho de 2025

 Aeromóvel – Entre Machado e Coester


Oskar Coester - Créditos Aerom 

Se me fosse dado o dom de recontar as crônicas desta nossa urbe, quiçá com a mesma pena que um dia descrevi as veleidades de Capitu, eu não me furtaria a narrar a saga do transporte, essa eterna comédia dos desencontros humanos (14).

Principiemos pelos idos em que a tração animal ditava o ritmo da cidade. Lembro-me, como se fora ontem, do cochicho de dois burros (15)(16) : "Que sorte a nossa", dizia um, "sermos substituídos por esta geringonça que corre por arames eletrificados. Finda-se nosso suplício". O outro, cético, retrucava: "Não te iludas. A chibata apenas mudará de mãos; o homem, em sua ânsia de chegar a lugar nenhum, sempre inventará novas formas de apressar a própria angústia".

E não é que o burro filósofo tinha sua razão? Os bondes foram engolidos pelos ônibus, e estes, pelos automóveis. O progresso, essa miragem, desfilava em seguida com promessas fantásticas: trens que flutuavam sobre ímãs e monotrilhos a cortar os céus. Parecia que a solução residia sempre na complicação, até que surgiu uma ideia de uma simplicidade acintosa: o Aeromóvel.

Imagine, leitor, um navio com a vela mergulhada para baixo, não na água, mas num caudaloso rio de ar, confinado em uma viga elevada (12, 11). O veículo, leve, desliza suavemente, empurrado por essa corrente. Uma ideia que, confesso, jamais poderia imaginar ter sido parida por um patrício. E saber que tal invenção em breve deslizará pelos céus do aeroporto de Guarulhos me enche de um assombro póstumo (1).

Fonte 17

Enquanto me perdia nessas reflexões, uma figura de olhar sereno se materializou à minha frente, segurando o que parecia ser uma edição celestial do Zero Hora. Era o próprio Oskar Coester, o inventor em pessoa (6).

"Perdoe a intromissão, caro cronista," disse ele com um sorriso tranquilo, "mas não pude deixar de ouvir seu solilóquio. Fico feliz que a simplicidade do meu invento o tenha tocado. Contudo, o caminho para que essa simplicidade fosse compreendida foi longo e tortuoso."

Ele se sentou. "Fui um inventor, um empreendedor, mas acima de tudo, um sonhador (1). Por mais de quarenta anos, minha ideia foi um sonho ao qual dediquei minha vida (12). Mas, no Brasil, a reticência das autoridades foi um desafio constante. Passei anos em um longo caminho de persuasão. Havia sempre a necessidade de uma nova prova, um novo teste, um novo parecer (2, 14). O que para mim era uma solução óbvia, para muitos era motivo de desconfiança. As controvérsias com especialistas eram intermináveis; ora questionavam a capacidade de transporte, ora a viabilidade econômica (12, 13)."

"Muitas vezes," continuou ele, "os debates não eram puramente técnicos, mas uma teia de interesses e visões distintas. Levei décadas para que o Aeromóvel fosse finalmente implantado em Porto Alegre (12), e mesmo assim, como um sistema de média capacidade, não o transporte de massa que eu vislumbrava inicialmente (10)."

"Minha convicção vinha da minha experiência na aviação", disse Coester, com a postura de quem domina o assunto. "Aprendi que em sistemas de transporte, não existem possibilidades de erros. Os sistemas devem ser redundantes para serem seguros. E o Aeromóvel é, em sua essência, o mais seguro dos veículos. Por andar em via elevada, ele não tem a mínima possibilidade de choques com outros veículos, um mal que assola nossas ruas. Além disso, a própria física do sistema cria uma segurança intrínseca. A existência das aletas sob o veículo, que captam a força do ar, funciona como um amortecedor natural. Na remotíssima hipótese de dois veículos estarem na mesma via e no mesmo ponto de forma concomitante, o ar criaria uma zona de alta pressão, um 'colchão de ar' que os impediria de colidir bruscamente (18)."

Ele apontou para a manchete do jornal etéreo. "Mas veja. Meu herdeiro e minhas herdeiras, minha equipe, eles conseguiram. Levaram o 'menino do vento' para Guarulhos (1, 12) . Fizeram funcionar em escala o que tantos duvidaram. Isso prova o que sempre acreditei. Eu nunca perdi a esperança nas pessoas. Sempre me lembrei de Goethe: 'Se você trata as pessoas como elas são, você as torna piores; se você as trata como se elas fossem o que deveriam ser, você as ajuda a se tornarem o que podem ser.' Eu sempre tratei a todos, dos engenheiros aos políticos, como capazes de realizar o impossível."

E assim fiquei, eu e o inventor, duas almas de tempos distintos, unidas na compreensão de que uma ideia, por mais simples e segura que seja, depende menos da complexidade do engenho e mais da teimosa e inabalável fé na capacidade humana.

Texto redigido pela IA “Gemini 2.5 Pro” embarcada no “Sistema Sider”. A IA foi provocada pelo “coordenador do texto” após extensa pesquisa efetuada no sub-sistema  “Deep Research” do Sistema Sider.


 Imagem Wikipédia Commons https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Visita_ao_Canteiro_de_Obras_do_Aerom%C3%B3vel_no_Aeroporto_de_Guarulhos.jpg


"Aeromóvel – Entre Machado e Coester" por Ingo Dietrich Söhngen © 2025.

Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional (CC BY-NC 4.0).

Disponível em: https://sohngen.blogspot.com/2025/07/aeromovel-entre-machado-e-coester-oskar.html

Para ver uma cópia desta licença, visite: https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/deed.pt_BR

Licença CC BY-NC 4.0  Esta licença permite compartilhar (copiar e redistribuir) e adaptar (remixar, transformar e criar)"Aeromóvel – Entre Machado e Coester"   em qualquer formato, desde que seja dado crédito adequado ao autor original com link para a fonte original e para a licença, indicando alterações feitas, sendo expressamente proibido o uso para fins comerciais. Não se pode adicionar restrições além das previstas, elementos em domínio público não são afetados, e o descumprimento cancela automaticamente os direitos concedidos, ressaltando-se que a licença pode não contemplar todas as permissões necessárias para certos usos.

Referências:

(1, 6) AEROM. Fundador. [S. l.]: Aerom, [s.d.]. Disponível em: https://aerom.com/pt/fundador/. Acesso em: 19 jul. 2024.

(2, 7, 8, 9,  12, 13, 14, 15, 16 ,17, 18, 19) AMES, Valesca Daiana Both; ALMEIDA, Marlis Lemos de. Uma história de controvérsias: a implantação do Aeromóvel em Porto Alegre/RS. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 53, n. 1, p. 385-418, mar./jun. 2022. Disponível em: https://repositorio.ufc.br/handle/riufc/65453. Acesso em: 19 jul. 2025;

(3, 4, 5, 11) OSPA ARQUITETURA E URBANISMO. Aeromóvel de Porto Alegre. [S. l.]: Galeria da Arquitetura, 2004. Disponível em: https://www.galeriadaarquitetura.com.br/projeto/ospa-arquitetura-urbanismo/aeromovel-de-porto-alegre/2004. Acesso em: 19 jul. 2025;

 (10) Aeromóvel – Wikipédia, a enciclopédia livre. https://pt.wikipedia.org/wiki/Aerom%C3%B3vel.Acesso em: 19 jul. 2025;

(12) Projetos: Guarulhos - Aeromóvel. Disponível em: <https://aerom.com/pt/guarulhos/>

(14)  O Machado de Assis virtual na figura da IA redatora - se coloca como um cronista da cidade, um observador dos costumes e das desventuras urbanas. 

(15) Machado dissecado in <http://www.letras.ufmg.br/literafro/28-critica-de-autores-masculinos/1018-reflexoes-de-dois-burros-falantes-qual-e-a-moral-da-historia-nesta-cronica-fabular-de-machado-de-assis-elisangela-aparecida-lopes>.Acesso em: 20 jul. 2025;

(16)  Crônica dos Burros por Machado de Assis in  <https://pt.wikisource.org/wiki/Cr%C3%B4nica_dos_Burros>. Acesso em: 20  jul. 2025.

(17) Video de detalhes do funcionamento do aeromóvel: <https://www.youtube.com/watch?v=b6kcze1Vx1Q> Acesso em: 20 de jul. 2025. 

(18) Video - Testes de Cruzamento dos Veículos - Aeromóvel Guarulhos:  https://www.youtube.com/watch?v=78v8c9OS9LE. Pesquisa em 23;07/2025. 



domingo, 6 de julho de 2025

  A ONÇA!


A Amazônia! O pulmão do mundo, o berço de lendas, e, para a família Silva, o cenário de umas férias que prometiam ser inesquecíveis. E foram. Apenas não pelos motivos que eles imaginavam.

O hotel de selva era uma obra-prima de equilíbrio. Um "luxo rústico", como dizia o folheto, que se traduzia em camas com mais fios egípcios do que um sarcófago de faraó, e paredes de madeira que te lembravam, a cada instante, que do lado de fora havia um ecossistema inteiro indiferente à sua existência.

Naquela noite, a matriarca, Dona Margarida, capotou. Após um dia de trilha sob um sol inclemente, caça (fotográfica) a jacarés e transpiração em níveis industriais, ela se entregou ao sono com a determinação de um urso hibernando. No bangalô ao lado, seu marido, Roberto, e os dois filhos, o pré-adolescente Léo e o pequeno João, se acomodavam. A selva sussurrava lá fora, uma sinfonia de estalos, zumbidos e coaxares que parecia pulsar junto com o sangue.

Até que um novo instrumento, brutal e dissonante, rasgou a orquestra noturna.

"GRRRRROOOOONNNNC."

Era um som baixo, gutural, uma vibração que pareceu nascer no assoalho de madeira, subir pelas pernas da cama e alojar-se no fundo do estômago. Léo, que flutuava no limiar do sono, sentou-se na cama com a rigidez de uma estátua, os olhos como duas luas cheias no escuro. João, aninhado no braço do pai, se encolheu, transformando-se num tatu-bola humano.

"Pai... o que foi isso?", a voz de Léo era um fiapo, desprovida de toda a marra dos seus doze anos.

Roberto, sentindo o peso de mil gerações de pais protetores em seus ombros, engoliu em seco. O som lhe congelou o sangue e fez com que suas tripas executassem um nó cego ao redor do coração. Não havia engano. Era o som de uma onça. Uma onça-pintada, a rainha fantasma daquelas matas, e pelo visto, ela tinha escolhido a varanda deles para lamber as patas.

"Calma, filho", disse ele, mas a voz que saiu de sua garganta era a de um estranho, duas oitavas mais alta. "Deve ser só... um bicho do mato. Grande. Bem grande. Mas do mato."

João começou a choramingar, um som agudo que cortava o ar tenso. "A onça vai comer a gente, papai?"

"Claro que não!", bradou Roberto, inflando o peito numa tentativa de autoconvencimento. Ele era o alfa, o protetor, o Rambo da família Silva. "Nenhuma onça se atreveria a mexer com a gente! Eu estou aqui!"

Nesse exato instante, seu coração, que já batia forte, disparou numa bateria de escola de samba desgovernada. A pancada em suas costelas foi tão violenta que o ar lhe escapou dos pulmões num soluço audível, e um calafrio glacial percorreu sua espinha, fazendo-o tremer da cabeça aos pés. Droga, pensou ele, o Rambo está prestes a ter um colapso cardiovascular.

"GRRRRRRROOOOOOOOONNNNC-FUUUUUUU..."

O segundo rosnado foi mais longo, mais profundo. E terminou com um assobio sibilante, quase um... ronronar? Onças ronronam depois de encurralar a presa? Léo e João se fundiram ao pai, transformando os três numa única massa trêmula de pavor, suas unhas cravadas no braço dele. O tremor involuntário de Roberto tornou-se a menor de suas preocupações.

"Pai, faz alguma coisa!", implorou Léo, a voz rachada pelo pânico.

Com o cérebro em chamas, Roberto perscrutou o quarto em busca de uma arma. Seu arsenal: um abajur de bambu com uma cúpula frouxa e seu chinelo de dedo. Contra um predador de setenta quilos, não era exatamente o que se poderia chamar de dissuasão.

Foi então que o som mudou de novo, quebrando sua cadência primal.

"GRRRRROOOOONNNNC-fuuuu... nhéééé... GRONC!"

Aquele "nhéééé" no meio. Um suspiro, um engasgo... familiar. Havia um padrão ali, uma dissonância cognitiva. Roberto parou. Os filhos, sentindo a mudança na rigidez do pai, também pararam de tremer. Olharam-se no breu, uma centelha de reconhecimento lutando para acender em meio ao terror absoluto.

Lentamente, como um soldado desarmando uma bomba, Roberto deslizou para fora da cama, com os filhos a tiracolo. Pé ante pé, a família aterrorizada atravessou o quarto e encostou o ouvido na parede que os separava da "fera".

O som era inconfundível. Era o ronco de Dona Margarida. O mesmo ronco que já havia sido confundido com o motor de um caminhão F-4000 e, numa ocasião memorável durante uma viagem ao litoral, com um ritual de acasalamento de baleias-jubarte. Ali, na acústica primorosa da selva amazônica, seu ronco épico, potencializado pelo cansaço extremo, havia se transformado no esturro do mais temível dos predadores.

O alívio foi uma onda sísmica. E, como um tsunami, trouxe consigo uma crise de riso silenciosa e convulsiva. Roberto, ainda sentindo o coração ecoar pelo corpo, Léo, com o rosto manchado de lágrimas secas, e João, ainda agarrado à perna do pai, começaram a se sacudir, as bocas apertadas, os ombros tremendo, tentando abafar as gargalhadas para não acordar a "onça".

Na manhã seguinte, no café da manhã, Dona Margarida bocejou, espreguiçando-se com a satisfação de quem dormiu por um século.

"Nossa, que noite maravilhosa! Dormi como uma pedra. E vocês, queridos? Aproveitaram o silêncio da selva?"

Roberto e os filhos trocaram um olhar cúmplice por cima das tapiocas. Um sorriso que continha pavor, um coração quase parado e uma piada interna que duraria para sempre.

"Ah, mãe", disse Léo, com um brilho maroto nos olhos. "Foi... uma noite de fortes emoções. A selva é realmente um lugar selvagem."

Redação com auxílio da IA GPT 4.1 e base  fática do "autor". 

"A Onça!" por Ingo Dietrich Söhngen © 2025.

Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional (CC BY-NC 4.0).

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Para ver uma cópia desta licença, visite: https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/deed.pt_BR

Licença CC BY-NC 4.0  Esta licença permite compartilhar (copiar e redistribuir) e adaptar (remixar, transformar e criar)"A Onça!"  em qualquer formato, desde que seja dado crédito adequado ao autor original com link para a fonte original e para a licença, indicando alterações feitas, sendo expressamente proibido o uso para fins comerciais. Não se pode adicionar restrições além das previstas, elementos em domínio público não são afetados, e o descumprimento cancela automaticamente os direitos concedidos, ressaltando-se que a licença pode não contemplar todas as permissões necessárias para certos usos.

 Para saber mais: 

1. https://www.youtube.com/watch?v=8MYLC_bZVU4 - som de onça pintada

2. https://www.google.com/search?sca_esv=9ae922c597ea1563&cs=0&sxsrf=AE3TifMN9GLtQFop1zQa3DC1JDelFsSgfw:1751759059666&q=Canto+da+on%C3%A7a+pintada+f%C3%AAmea&sa=X&ved=2ahUKEwjp2e2D86aOAxXMHLkGHefTFuYQpboHKAJ6BAgCEAQ&biw=1360&bih=633&dpr=1#fpstate=ive&vld=cid:6e683472,vid:3piVjbTtjG4,st:0


sexta-feira, 4 de julho de 2025

 Das Areias do Tempo e do Silêncio dos Homens


Escultura de Ramessés II que inspirou o poema de Shelley, exposta no Museu Britânico

CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1545133



Há no mundo, meu caro leitor, uma ironia que me assombra: a mesma espécie que ergueu pirâmides, templos e bibliotecas, que domesticou o fogo e navegou pelos mares, é também aquela que parece possuir uma inclinação quase diabólica para destruir o berço que a acolheu. Não falo de guerras ou pestes – dessas, pelo menos, alguns se salvam. Falo de algo mais sutil e mais devastador: o talento humano para transformar jardins em desertos, para converter a abundância em escassez, para fazer da própria ignorância uma arte refinada.

Basta olhar para trás, não muito longe, para descobrir que essa vocação para o suicídio coletivo é antiga como a própria civilização. Tomemos o Líbano, por exemplo.  O Líbano! Outrora coberto de cedros majestosos, árvores que se erguiam como colunas naturais de um templo consagrado aos deuses. Foram essas madeiras que Salomão requisitou para construir o seu famoso templo, essa maravilha que deveria durar mil anos. Ironia das ironias: do templo não restou pedra sobre pedra, e dos cedros que o adornaram, sobrou apenas um exemplar solitário, transformado em símbolo nacional – não da grandeza, mas da perda irreparável. Uma árvore única, plantada no meio da memória como um epitáfio vivo.

E que dizer da Etiópia? Pobre Etiópia! Outrora chamada de Abissínia, terra que os antigos descreviam como um reino de riquezas infinitas, onde corriam rios de ouro e onde as colheitas eram tão abundantes que alimentavam não apenas os súditos, mas também os sonhos dos exploradores. Hoje, quando se fala da Etiópia, o que vem à mente? Seca, fome, desertificação. As terras que um dia foram férteis transformaram-se em extensões áridas onde o vento espalha não sementes, mas o pó da desolação. A rainha de Sabá, que segundo as escrituras visitou Salomão com caravanas carregadas de especiarias e tesouros, viu seu reino desaparecer sob as areias do tempo – literalmente. O que restou do reino de Sabá? Ruínas perdidas no deserto, vestígios arqueológicos que os ventos do Iêmen e da Arábia Saudita mal conseguem preservar.

Mas não sejamos injustos com os antigos. Eles, pelo menos, tinham a desculpa da ignorância. Desmatavam para construir, irrigavam sem conhecer os mecanismos da salinização, exploravam sem compreender os ciclos da natureza. Nós, os modernos, temos a ciência, temos os dados, temos os alertas – e mesmo assim perseveramos no erro com uma obstinação que beiraria o cômico, se não fosse trágica.

Vejamos o presente. O deserto do Saara, essa imensidão de areia que se estende como um mar petrificado, continua a crescer. A região do Sahel, essa faixa de terra que deveria ser a fronteira entre o verde e o dourado, entre a vida e a morte, vai cedendo terreno ano após ano. Os pastores que antes encontravam capim para seus rebanhos agora caminham por léguas em busca de um punhado de erva. O gado, ironicamente, torna-se cúmplice da própria destruição: pisoteia o solo, devora as raízes, transforma pradarias em desertos. E os homens? Os homens migram, carregando consigo apenas a nostalgia de uma terra que já não existe.

A China, é verdade, empreende esforços hercúleos para deter o avanço do deserto de Gobi. Plantam árvores em fileiras infinitas, criam barreiras, desenvolvem técnicas sofisticadas de recuperação do solo. Há algo de admirável nessa teimosia chinesa, nessa recusa em aceitar a derrota. Mas há também algo de melancólico: é a luta de Sísifo, a batalha contra um inimigo que não se cansa, que não negocia, que não perdoa.

E o Brasil?  Pobre  Brasil! País que uma aparente vontade divina abençoou com tanta abundância que parece ter-se esquecido de nos dar também o bom senso para preservá-la. Temos a Amazônia, essa gigantesca fábrica de oxigênio, esse coração verde do planeta. Temos o Cerrado, essa savana única que é berço das águas. Temos tudo – e estamos perdendo tudo com uma velocidade que seria impressionante, se não fosse aterrorizante.

O Nordeste, nossa região semiárida, já conhece intimamente os rigores da desertificação. Mas agora a ameaça se espalha. A Amazônia, essa floresta que parecia eterna, começa a dar sinais de fadiga. As queimadas se multiplicam, as chuvas se tornam erráticas, e os cientistas falam em "savanização" – um termo técnico para uma catástrofe anunciada. O que isso significa? Significa que a maior floresta tropical do mundo pode se transformar numa savana árida, numa extensão de capim ralo e árvores esparsas. Significa que o pulmão do mundo pode entrar em colapso. E por quê? Por causa da soja. Por causa do gado. Por causa do lucro imediato que cega os olhos para o desastre futuro.

E o Sul? O Sul, que se orgulha de ser a região mais desenvolvida do país, já sente na pele as consequências dessa insensatez. As enchentes se tornaram rotina, não mais exceção. Todo ano, a mesma história: chuvas torrenciais, rios transbordando, cidades alagadas, pessoas desabrigadas. É o clima em colapso, é a natureza cobrando a conta de décadas de descaso. O que plantamos na Amazônia, colhemos no Rio Grande do Sul. É a lei da física aplicada à ecologia: para cada ação, uma reação; para cada crime ambiental, uma punição climática.

Mas voltemos ao nosso Brasil, meu caro leitor, e àquele espetáculo melancólico que se desenrola diariamente no Congresso Nacional. Ali, sob a cúpula que deveria abrigar a sabedoria da nação, vemos um teatro de proporções shakespearianas – mas sem a poesia do bardo inglês. De um lado, uma ministra solitária, batalhando com a determinação de Dom Quixote contra os moinhos de vento da ignorância institucionalizada. Do outro, uma horda de congressistas – permita-me chamá-los pelo que são: insipientes e poltrões de marca maior  – que defendem com fervor digno de melhor causa aquilo que eles, em sua limitada visão, chamam de "progresso".

Ora, que progresso! Aquele que transforma florestas em pastos, rios em esgotos, e o futuro em presente consumível.  Os artífices da sandice curial – pois de uma arte se trata, a de marchar em formação contra tudo aquilo que poderia salvar a pátria – defendem com unhas e dentes o direito sagrado de destruir. Pobres asininos Não percebem que estão serrando o galho sobre o qual se sentam. Eles, os defensores do "agronegócio a qualquer custo", bramam contra qualquer medida que possa interferir em seus lucros imediatos. São os mesmos que aplaudem a derrubada de cada árvore centenária como se fosse uma vitória pessoal.

Esses "parlamentares asininos", instalados confortavelmente em suas cadeiras de couro, votam sistematicamente contra qualquer projeto que vise à preservação ambiental. Fazem-no com o sorriso satisfeito de quem acredita estar defendendo os "interesses nacionais". Pobres almas! Não sabem que estão, na verdade, hipotecando o futuro do país em nome de um punhado de fazendeiros que jamais se preocuparam com coisa alguma além de seus próprios bolsos.

E a ministra? A ministra luta. Luta como Sísifo, empurrando sua pedra montanha acima, sabendo que a cada manhã terá que recomeçar. Apresenta dados, estatísticas, mapas que mostram o avanço da destruição. Fala de pontos de não retorno, de savanização, de colapso climático. Mas suas palavras se perdem no vazio mental daqueles asininos de gabinete que preferem ouvir o tilintar das moedas ao sussurro angustiado da Terra.

Que espetáculo desolador, meu caro leitor! Ver uma nação inteira ser conduzida ao matadouro por um bando de parlamentares que se julgam estadistas, de "ignorantes"  que se imaginam visionários. Eles, que nunca plantaram uma árvore, que nunca sentiram a terra fértil escorrer entre os dedos, decidem o destino de biomas inteiros com a mesma naturalidade com que decidem o cardápio do almoço.

É o que os gregos chamavam de hubris – a arrogância desmedida que precede a queda. Achamo-nos mais espertos que a natureza, mais poderosos que o clima, mais duradouros que as civilizações que nos precederam. Esquecemo-nos de que somos apenas inquilinos temporários desta terra, não seus proprietários eternos.

O tempo, esse juiz implacável, dará o veredicto. E temo, meu caro leitor, que quando vier, será tarde demais para recursos. Porque a natureza não perdoa, não negocia, não faz acordos. Ela simplesmente cobra – e cobra caro.

A História, essa testemunha implacável, registrará tudo.  Registrará que houve um povo  que preferiu  o lucro imediato à sobrevivência da espécie, parlamentares  que escolheram a covardia política ao invés da coragem moral. E quando as futuras gerações perguntarem como foi possível que uma nação tão rica em recursos naturais tenha se transformado num deserto, a resposta será simples: foi obra dos asininos  empedernidos e poltrões de marca maior que, em pleno século XXI, ainda acreditavam que o progresso se mede pela quantidade de árvores derrubadas e não pela qualidade de vida preservada.

Que os céus nos perdoem. Que a Terra nos perdoe. Que as gerações futuras nos perdoem. Porque nós, claramente, não sabemos o que fazemos.

O presente texto foi redigido com auxílio de IA tendo por base pesquisa prévia do sistema Deep Research  embarcado no APP Sider . A IA utilizada para redigir o texto final foi a Geminy 2.5 Pro. 


"Das Areias do Tempo e do Silêncio dos Homens" por Ingo Dietrich Söhngen © 2025.

Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional (CC BY-NC 4.0).

Disponível em: https://sohngen.blogspot.com/2025/07/das-areias-do-tempo-e-do-silencio-dos.html

Para ver uma cópia desta licença, visite: https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/deed.pt_BR

Licença CC BY-NC 4.0  Esta licença permite compartilhar (copiar e redistribuir) e adaptar (remixar, transformar e criar)"Das Areias do Tempo e do Silêncio dos Homens"  em qualquer formato, desde que seja dado crédito adequado ao autor original com link para a fonte original e para a licença, indicando alterações feitas, sendo expressamente proibido o uso para fins comerciais. Não se pode adicionar restrições além das previstas, elementos em domínio público não são afetados, e o descumprimento cancela automaticamente os direitos concedidos, ressaltando-se que a licença pode não contemplar todas as permissões necessárias para certos usos.

Para saber mais: 

Poema de Shelley  <https://pt.wikisource.org/wiki/Ozymandias_(Shelley)> . 

Links e as referências em ordem numérica:

  • 1.   Zhang, D., & Deng, H. (2020). Historical human activities accelerated climate-driven desertification in China’s Mu Us Desert. Science of The Total Environment, 708, 134771. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2019.134771
  • 2.   Abou-Hadid, A. F. (2006). Assessment of impacts, adaptation, and vulnerability to climate change in North Africa : food production and water resources. A Final Report Submitted to Assessments of Impacts and Adaptations to Climate Change (AIACC).
  • 3.   Rajão, R., Soares-Filho, B., Nunes, F., et al. (2020). The rotten apples of Brazil’s agribusiness. Science, 369, 246–248.
  • 4.   Bazza, M., et al. (2018). Drought Characteristics and Management in North Africa and the Near East.
  • 5       https://www.bbc.com/portuguese/articles/ceqg02g3z8po
  • 6       https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2025-07/marina-silva-sofre-novos-insultos-em-comissao-no-congresso

Bibliografia Compilada - Degradação da Floresta Amazônica

Referências Diretas do Documento

  1. Martinelli, L.A.; Bataille, C.P.; Batista, A.C.; Souza-Silva, I.M.; Araújo, M.G.; Abdalla Filho, A.L.; Brunello, A.; Tommasiello Filho, M.; Higuchi, N.; Barbosa, A.C.; Costa, F.; Nardoto, G.B. (2025). Bioavailable strontium isoscape for the Amazon region using tree wood. Forest Ecology and Management, 594, 122963. https://doi.org/10.1016/j.foreco.2025.122963

  2. Calders, K.; Herold, M.; Adams, J.; Armston, J.; Brede, B.; Cherlet, W.; Cooper, Z.T.; Dayal, K.; De Frenne, P.; Levick, S.R.; Meir, P.; Origo, N.; Senf, C.; Soenens, L.; Terryn, L.; Van den Broeck, W.A.J.; Vastaranta, M.; Verbeeck, H.; Villard, L.; Disney, M. (2025). Realistic virtual forests for understanding forest disturbances and recovery from space. ISPRS Journal of Photogrammetry and Remote Sensing, 227, 501-507. https://doi.org/10.1016/j.isprsjprs.2025.06.031

  3. Dias, L.L.; Ribeiro, B.R.; Pellin, A.; Prado, F.; Soares, N.; De Marco Junior, P. (2025). Mismatch between investment in management and priorities for biodiversity conservation in Amazon protected areas. Biological Conservation, 309, 111303. https://doi.org/10.1016/j.biocon.2025.111303

  4. Du, Y.; Gao, G.; Ma, X.; Xu, S.; Fu, B. (2025). Amazon Basin shows reduced forest loss but increased forest spatial fragmentation in 1992–2020. Science of The Total Environment, 990, 179917. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2025.179917

  5. Saatchi, S.; Asefi-Najafabady, S.; Malhi, Y.; Aragão, L.E.O.C.; Anderson, L.O.; Myneni, R.B.; Nemani, R. (2013). Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy. Proceedings of the National Academy of Sciences, 110, 565-570

  6. Rajão, R.; Soares-Filho, B.; Nunes, F.; Börner, J.; Machado, L.; Assis, D.; Oliveira, A.; Pinto, L.; Ribeiro, V.; Rausch, L.; Gibbs, H.; Figueira, D. (2020). The rotten apples of Brazil's agribusiness. Science, 369, 246-248

  7. Leite-Filho, A.T.; Soares-Filho, B.S.; Davis, J.L.; Abrahão, G.M.; Börner, J. (2021). Deforestation reduces rainfall and agricultural revenues in the Brazilian Amazon. Nature Communications, 12, 2591

  8. Gibbs, H.K.; Rausch, L.; Munger, J.; Schelly, I.; Morton, D.C.; Noojipady, P.; Soares-Filho, B.; Barreto, P.; Micol, L.; Walker, N.F. (2015). Brazil's Soy Moratorium. Science, 347, 377-378

  9. Brando, P.M.; Soares-Filho, B.; Rodrigues, L.; Assunção, A.; Morton, D.; Tuchschneider, D.; Fernandes, E.C.M.; Macedo, M.N.; Oliveira, U.; Coe, M.T. (2020). The gathering firestorm in southern Amazonia. Science Advances, 6, eaay1632

  10. Silva, C.V.J.; Aragão, L.E.O.C.; Barlow, J.; Espirito-Santo, F.; Young, P.J.; Anderson, L.O.; Berenguer, E.; Brasil, I.; Foster Brown, I.; Castro, B.; Farias, R.; Ferreira, J.; França, F.; Graça, P.M.L.A.; Kirsten, L.; Lopes, A.P.; Salimon, C.; Scaranello, M.A.; Seixas, M.; Souza, F.C.; Xaud, H.A.M. (2018). Drought-induced Amazonian wildfires instigate a decadal-scale disruption of forest carbon dynamics. Philosophical Transactions of the Royal Society B, 373, 20180043### Referências Adicionais da Embrapa e Outras Instituições Brasileiras

  11. da Cruz, D.C.; Benayas, J.M.R.; Ferreira, G.C.; Santos, S.R.; Schwartz, G. (2021). An overview of forest loss and restoration in the Brazilian Amazon. New Forests, 52, 1-16. Disponível em: https://www.alice.cnptia.embrapa.br/alice/bitstream/doc/1122370/1/DaCruz2021-Article-AnOverviewOfForestLossAndResto.pdf

  12. Garrett, R.D.; Koh, I.; Lambin, E.F.; le Polain de Waroux, Y.; Kastens, J.H.; Brown, J.C. (2021). Intensification in agriculture-forest frontiers: Land use responses to development and conservation policies in Brazil. Global Environmental Change, 70, 102321. Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/225467/1/Garrett2021.pdf

  13. Silva, C.A.; Santilli, G.; Sano, E.E.; Laneve, G. (2021). Fire occurrence and greenhouse gas emissions from deforestation in the Brazilian Amazon. Remote Sensing, 13, 376. Disponível em: https://www.alice.cnptia.embrapa.br/alice/bitstream/doc/1136167/1/Sano-FIRE-OCCURRENCE.pdf

  14. Pinheiro, T.F.; Escada, M.I.S.; Valeriano, D.M.; Hostert, P.; Gollnow, F.; Müller, H. (2016). Forest degradation associated with logging frontier expansion in the Amazon: The BR-163 region in Pará, Brazil. Earth Interactions, 20, 1-26

  15. Oliveira, A.H.M.; Ferreira, M.E.; Sano, E.E. (2024). Mapping forest degradation in the Brazilian Amazon using remote sensing and machine learning approaches. Remote Sensing, 16, 4557

  16. Rangel Pinagé, E.; Keller, M.; Duffy, P.; Longo, M.; dos-Santos, M.N.; Morton, D.C. (2023). Long-term impacts of selective logging on Amazon forest dynamics from multi-temporal lidar. Carbon Balance and Management, 18, 5

Referências Governamentais e Institucionais

  1. Brasil, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. (2021). Quarta comunicação nacional do Brasil à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Brasília: MCTI

  2. PRODES-INPE. (2022). Satellite monitoring of the Amazon forest. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Disponível em: http://www.obt.inpe.br/prodes

  3. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. (2018-2021). Financiamento para pesquisas em degradação florestal amazônica. Projetos: 441949/2018-5, 314242/2021-0, 314416/2020-0, 409531/2021-9, 314473/2020-3, 314780/2020-3, 312450/2021-4

  4. Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP. (2020). Projetos de pesquisa em fragmentação florestal amazônica. Processos: 2020/15230-5, 2020/08916-8, 2016/02018-2, 2020/16457-3

  5. Região de Sahel: violência, pobreza e ascensão de grupos terroristashttps://sites.ufpe.br/oci/2021/07/05/regiao-de-sahel-violencia-pobreza-e-ascensao-de-grupos-terroristas/

Esta compilação bibliográfica segue as normas internacionais de citação e inclui tanto as referências diretas do documento fornecido quanto publicações adicionais da Embrapa e outras instituições brasileiras de pesquisa, proporcionando uma base sólida para estudos sobre degradação da floresta amazônica.




quarta-feira, 2 de julho de 2025

 O Barbeiro Filósofo


Imagem criada por IA


Leitor amigo, se alguma vez te aconteceu observar-te no espelho durante um corte de cabelo, saberás que não há exercício mais cruel para a vaidade nem mais instrutivo para a filosofia. Foi o que experimentou Antônio naquela tarde de terça-feira, quando decidiu entregar-se inteiramente às mãos do barbeiro Joaquim.

Digo entregar-se inteiramente porque não se tratava de mero corte: Antônio queria-se raspado, limpo, despojado de toda a cabeleira grisalha que lhe cobria a cabeça e de toda a barba que lhe sombreava o rosto. "Máquina zero", disse ao barbeiro, "cabelo e barba. Quero recomeçar."

Ora, quem disse que se recomeça raspando a cabeça? Mas deixemos as filosofias para depois e sigamos o nosso homem.

Joaquim, que tinha a experiência de quem já transformara mil rostos, sorriu com aquela superioridade discreta dos profissionais que sabem mais do ofício do que os clientes. Ligou a máquina — instrumento que zunindo parecia uma cigarra metálica — e começou a obra.

O primeiro a desaparecer foi o cabelo. Antônio, que até então se julgava conhecer, viu surgir no espelho um desconhecido de cabeça rapada, de feições mais duras, quase monacais. "Quem é este?", perguntou-se, e o homem careca pareceu retribuir a pergunta com igual curiosidade. Estranha coisa: conhecermo-nos de fora para dentro, como se fôssemos vizinhos de nós mesmos.

Passou então a máquina à barba. Primeiro cortou as laterais, deixando apenas o cavanhaque e o bigode, e eis que um segundo personagem se apresentou no espelho. Este tinha ares de intelectual, talvez de poeta melancólico ou de professor aposentado. Antônio quase se afeiçoou a esta nova versão de si mesmo, que lhe parecia mais interessante que a anterior. Mas a máquina é implacável, e não consulta as nossas preferências.

Desapareceu o cavanhaque, ficou o bigode. Terceira personalidade: agora surgia um homem de aparência galante, com ares de quem já conheceu o mundo.  O bigode dava-lhe um quê de conquistador aposentado, de quem guarda memórias que não conta aos netos.

Antônio quase protestou quando viu Joaquim erguer novamente a máquina. Tinha-se afeiçoado àquele homem-bigode. Mas que protesto vale contra a lógica de uma decisão tomada?

E então, raspado o último pelo, apareceu finalmente... ele mesmo.

Não digas, leitor, que sempre foi ele mesmo. Enganas-te. Era e não era. Era o Antônio essencial, despido dos ornamentos que o tempo lhe havia acrescentando como quem acumula móveis numa casa. Cada ruga mostrava-se agora sem disfarce, cada marca da idade se exibia sem a cortesia dos pelos que as suavizavam. E, coisa curiosa, este Antônio despojado parecia-lhe mais verdadeiro que todos os outros.

"Os óculos", disse Joaquim, devolvendo-lhe a armação.

Antônio pôs os óculos e piscou. O homem do espelho piscou também, e foi como se se cumprimentassem após longa ausência. Conheces esta sensação, leitor? É como reencontrar um livro antigo numa estante e descobrir que o tinhas esquecido justamente na melhor página.

"Pronto", disse Joaquim. "Voltemos ao trabalho."

Pagou Antônio e saiu. Na rua, sentiu o sol diferente no rosto descoberto. E ao passar por uma vitrine, vislumbrou seu reflexo e sorriu — não para o que via, mas para o que havia descoberto: que por baixo de todas as máscaras que a vida nos vai pondo, permanece sempre o mesmo homem, à espera de ser redescoberto.

Simples assim, leitor. Às vezes basta uma máquina de barbeiro para nos ensinar o que não aprendemos em anos de filosofia.

 Texto criado por IA Claude Sonnet 4  -  estilo Machadiano

"O Barbeiro Filósofo" por Ingo Dietrich Söhngen © 2025.

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