Das Areias do Tempo e do Silêncio dos Homens
Escultura de Ramessés II que inspirou o poema de Shelley, exposta no Museu Britânico.
CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1545133
Há no mundo, meu caro leitor, uma ironia que me
assombra: a mesma espécie que ergueu pirâmides, templos e bibliotecas, que
domesticou o fogo e navegou pelos mares, é também aquela que parece possuir uma
inclinação quase diabólica para destruir o berço que a acolheu. Não falo de
guerras ou pestes – dessas, pelo menos, alguns se salvam. Falo de algo mais
sutil e mais devastador: o talento humano para transformar jardins em desertos,
para converter a abundância em escassez, para fazer da própria ignorância uma
arte refinada.
Basta olhar para trás, não muito longe, para
descobrir que essa vocação para o suicídio coletivo é antiga como a própria
civilização. Tomemos o Líbano, por exemplo. O Líbano! Outrora coberto de
cedros majestosos, árvores que se erguiam como colunas naturais de um templo
consagrado aos deuses. Foram essas madeiras que Salomão requisitou para
construir o seu famoso templo, essa maravilha que deveria durar mil anos.
Ironia das ironias: do templo não restou pedra sobre pedra, e dos cedros que o
adornaram, sobrou apenas um exemplar solitário, transformado em símbolo
nacional – não da grandeza, mas da perda irreparável. Uma árvore única,
plantada no meio da memória como um epitáfio vivo.
E que dizer da Etiópia? Pobre Etiópia! Outrora
chamada de Abissínia, terra que os antigos descreviam como um reino de riquezas
infinitas, onde corriam rios de ouro e onde as colheitas eram tão abundantes
que alimentavam não apenas os súditos, mas também os sonhos dos exploradores.
Hoje, quando se fala da Etiópia, o que vem à mente? Seca, fome, desertificação.
As terras que um dia foram férteis transformaram-se em extensões áridas onde o
vento espalha não sementes, mas o pó da desolação. A rainha de Sabá, que
segundo as escrituras visitou Salomão com caravanas carregadas de especiarias e
tesouros, viu seu reino desaparecer sob as areias do tempo – literalmente. O
que restou do reino de Sabá? Ruínas perdidas no deserto, vestígios
arqueológicos que os ventos do Iêmen e da Arábia Saudita mal conseguem
preservar.
Mas não sejamos injustos com os antigos. Eles,
pelo menos, tinham a desculpa da ignorância. Desmatavam para construir,
irrigavam sem conhecer os mecanismos da salinização, exploravam sem compreender
os ciclos da natureza. Nós, os modernos, temos a ciência, temos os dados, temos
os alertas – e mesmo assim perseveramos no erro com uma obstinação que beiraria
o cômico, se não fosse trágica.
Vejamos o presente. O deserto do Saara, essa
imensidão de areia que se estende como um mar petrificado, continua a crescer.
A região do Sahel, essa faixa de terra que deveria ser a fronteira entre o
verde e o dourado, entre a vida e a morte, vai cedendo terreno ano após ano. Os
pastores que antes encontravam capim para seus rebanhos agora caminham por
léguas em busca de um punhado de erva. O gado, ironicamente, torna-se cúmplice
da própria destruição: pisoteia o solo, devora as raízes, transforma pradarias
em desertos. E os homens? Os homens migram, carregando consigo apenas a
nostalgia de uma terra que já não existe.
A China, é verdade, empreende esforços hercúleos para deter o avanço do deserto de Gobi. Plantam árvores em fileiras infinitas, criam barreiras, desenvolvem técnicas sofisticadas de recuperação do solo. Há algo de admirável nessa teimosia chinesa, nessa recusa em aceitar a derrota. Mas há também algo de melancólico: é a luta de Sísifo, a batalha contra um inimigo que não se cansa, que não negocia, que não perdoa.
E o Brasil? Pobre Brasil! País que uma aparente vontade divina abençoou com tanta abundância que parece
ter-se esquecido de nos dar também o bom senso para preservá-la. Temos a
Amazônia, essa gigantesca fábrica de oxigênio, esse coração verde do planeta.
Temos o Cerrado, essa savana única que é berço das águas. Temos tudo – e
estamos perdendo tudo com uma velocidade que seria impressionante, se não fosse
aterrorizante.
O Nordeste, nossa região semiárida, já conhece
intimamente os rigores da desertificação. Mas agora a ameaça se espalha. A
Amazônia, essa floresta que parecia eterna, começa a dar sinais de fadiga. As
queimadas se multiplicam, as chuvas se tornam erráticas, e os cientistas falam
em "savanização" – um termo técnico para uma catástrofe anunciada. O
que isso significa? Significa que a maior floresta tropical do mundo pode se
transformar numa savana árida, numa extensão de capim ralo e árvores esparsas.
Significa que o pulmão do mundo pode entrar em colapso. E por quê? Por causa da
soja. Por causa do gado. Por causa do lucro imediato que cega os olhos para o
desastre futuro.
E o Sul? O Sul, que se orgulha de ser a região
mais desenvolvida do país, já sente na pele as consequências dessa insensatez.
As enchentes se tornaram rotina, não mais exceção. Todo ano, a mesma história:
chuvas torrenciais, rios transbordando, cidades alagadas, pessoas desabrigadas.
É o clima em colapso, é a natureza cobrando a conta de décadas de descaso. O
que plantamos na Amazônia, colhemos no Rio Grande do Sul. É a lei da física
aplicada à ecologia: para cada ação, uma reação; para cada crime ambiental, uma
punição climática.
Mas voltemos ao nosso Brasil, meu caro leitor, e
àquele espetáculo melancólico que se desenrola diariamente no Congresso
Nacional. Ali, sob a cúpula que deveria abrigar a sabedoria da nação,
vemos um teatro de proporções shakespearianas – mas sem a poesia do bardo
inglês. De um lado, uma ministra solitária, batalhando com a determinação de
Dom Quixote contra os moinhos de vento da ignorância institucionalizada. Do
outro, uma horda de congressistas – permita-me chamá-los pelo que são: insipientes
e poltrões de marca maior – que defendem com fervor digno de
melhor causa aquilo que eles, em sua limitada visão, chamam de
"progresso".
Ora, que progresso! Aquele que transforma
florestas em pastos, rios em esgotos, e o futuro em presente
consumível. Os artífices da sandice curial – pois de uma
arte se trata, a de marchar em formação contra tudo aquilo que poderia salvar a
pátria – defendem com unhas e dentes o direito sagrado de destruir. Pobres asininos Não
percebem que estão serrando o galho sobre o qual se sentam. Eles, os defensores
do "agronegócio a qualquer custo", bramam contra qualquer medida que
possa interferir em seus lucros imediatos. São os mesmos que aplaudem a
derrubada de cada árvore centenária como se fosse uma vitória pessoal.
Esses "parlamentares asininos",
instalados confortavelmente em suas cadeiras de couro, votam sistematicamente
contra qualquer projeto que vise à preservação ambiental. Fazem-no com o
sorriso satisfeito de quem acredita estar defendendo os "interesses
nacionais". Pobres almas! Não sabem que estão, na verdade, hipotecando o
futuro do país em nome de um punhado de fazendeiros que jamais se preocuparam
com coisa alguma além de seus próprios bolsos.
E a ministra? A ministra luta. Luta como Sísifo,
empurrando sua pedra montanha acima, sabendo que a cada manhã terá que
recomeçar. Apresenta dados, estatísticas, mapas que mostram o avanço da
destruição. Fala de pontos de não retorno, de savanização, de colapso
climático. Mas suas palavras se perdem no vazio mental daqueles asininos de
gabinete que preferem ouvir o tilintar das moedas ao sussurro
angustiado da Terra.
Que espetáculo desolador, meu caro leitor! Ver
uma nação inteira ser conduzida ao matadouro por um bando de
parlamentares que se julgam estadistas, de "ignorantes" que
se imaginam visionários. Eles, que nunca plantaram uma árvore, que nunca
sentiram a terra fértil escorrer entre os dedos, decidem o destino de biomas
inteiros com a mesma naturalidade com que decidem o cardápio do almoço.
É o que os gregos chamavam de hubris – a arrogância
desmedida que precede a queda. Achamo-nos mais espertos que a natureza, mais
poderosos que o clima, mais duradouros que as civilizações que nos precederam.
Esquecemo-nos de que somos apenas inquilinos temporários desta terra, não seus
proprietários eternos.
O tempo, esse juiz implacável, dará o veredicto.
E temo, meu caro leitor, que quando vier, será tarde demais para recursos.
Porque a natureza não perdoa, não negocia, não faz acordos. Ela simplesmente
cobra – e cobra caro.
A História, essa testemunha implacável,
registrará tudo. Registrará que houve um povo que
preferiu o lucro imediato à sobrevivência da espécie,
parlamentares que escolheram a covardia política ao invés da coragem
moral. E quando as futuras gerações perguntarem como foi possível que uma nação
tão rica em recursos naturais tenha se transformado num deserto, a resposta
será simples: foi obra dos asininos empedernidos e poltrões
de marca maior que, em pleno século XXI, ainda acreditavam que o
progresso se mede pela quantidade de árvores derrubadas e não pela qualidade de
vida preservada.
Que os céus nos perdoem. Que a Terra nos perdoe.
Que as gerações futuras nos perdoem. Porque nós, claramente, não sabemos o que
fazemos.
O presente texto foi redigido com auxílio de IA tendo por base pesquisa prévia do sistema Deep Research embarcado no APP Sider . A IA utilizada para redigir o texto final foi a Geminy 2.5 Pro.
"Das Areias do Tempo e do Silêncio dos Homens" por Ingo Dietrich Söhngen © 2025.
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional (CC BY-NC 4.0).
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Para ver uma cópia desta licença, visite: https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/deed.pt_BR
Para saber mais:
Poema de Shelley <https://pt.wikisource.org/wiki/Ozymandias_(Shelley)> .
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Esta compilação bibliográfica segue as normas internacionais de citação e inclui tanto as referências diretas do documento fornecido quanto publicações adicionais da Embrapa e outras instituições brasileiras de pesquisa, proporcionando uma base sólida para estudos sobre degradação da floresta amazônica.