"O Paradoxo dos Novos Vassalos: Uma Reflexão sobre Soberania e Contradições Ideológicas. Ou em outras palavras: 'O comunista é você, estúpido'."
Há algo profundamente perturbador e
sociologicamente fascinante no comportamento de certos setores políticos
brasileiros contemporâneos. Enquanto erguem bandeiras contra o que chamam de
"socialismo" e "comunismo", estes mesmos grupos facilitam,
com entusiasmo quase patológico, a entrega de nossa soberania nacional às
megacorporações americanas. É como se, em nome da defesa da liberdade,
escolhessem deliberadamente uma nova forma de colonização - mais sutil, talvez,
mas não menos real.
Esta contradição não é apenas política; é um
fenômeno sociológico que revela camadas profundas de nossa formação cultural e
das ansiedades de nossas elites. Quando observamos políticos que se apresentam
como defensores ardorosos da propriedade privada enquanto entregam de bandeja
os dados de duzentos e vinte milhões de brasileiros para empresas estrangeiras,
ou que proclamam seu patriotismo enquanto terceirizam nossa infraestrutura
digital mais crítica, estamos diante de algo que transcende a simples
hipocrisia política.
Yanis Varoufakis, o economista grego que ousou
enfrentar os credores europeus, provavelmente classificaria esses políticos
como vassalos entusiastas do que ele denomina "tecno-feudalismo".
Eles temem tanto o fantasma de um socialismo doméstico que preferem se submeter
a um feudalismo digital estrangeiro, onde nos tornamos todos servos nas
plantações de dados do Vale do Silício. A ironia é cruel: em nome de evitar que
o Estado brasileiro tenha algum controle sobre nossas vidas, entregam esse
controle a estados corporativos estrangeiros infinitamente mais poderosos e
menos accountáveis democraticamente.
Shoshana Zuboff, a pesquisadora de Harvard que
cunhou o termo "capitalismo de vigilância", enxergaria nesses
políticos os colaboracionistas perfeitos desse novo sistema de exploração.
Enquanto gritam contra uma "ditadura comunista" que existe apenas em
suas fantasias paranoicas, facilitam ativamente uma ditadura de dados que é
real, presente e crescente a cada dia. Sob suas administrações complacentes,
cidadãos brasileiros são transformados em matéria-prima comportamental, suas
decisões sobre crédito, emprego e até relacionamentos são delegadas a
algoritmos estrangeiros, e nossa soberania cognitiva nacional é terceirizada
para corporações californianas que não devem satisfação a ninguém, exceto a
seus acionistas bilionários.
O mais fascinante neste teatro do absurdo é como
esses mesmos políticos conseguem manter suas performances patrióticas. Fazem
questão de ostentar bandeiras brasileiras, entoar hinos e performar amor à
pátria, enquanto simultaneamente entregam setores estratégicos inteiros para
estrangeiros. Não se trata apenas de privatização - processo que, bem feito,
pode ter seus méritos - mas de uma entrega consciente e sistemática de nossa
autonomia tecnológica, econômica e até cultural.
Quando analisamos friamente o que está sendo
entregue, a dimensão da contradição fica ainda mais evidente. Estamos falando
dos dados pessoais de nossa população inteira, dos padrões comportamentais que
definem nosso mercado consumidor, da infraestrutura de comunicação que conecta
nossos cidadãos, dos sistemas de pagamento que movimentam nossa economia, da
logística que distribui nossos produtos. Se um governo de esquerda
nacionalizasse uma única empresa mineral, seria imediatamente denunciado como
"confisco" e "autoritarismo". Mas entregar todo nosso
sistema nervoso digital para corporações americanas? Isso é chamado de
"modernização" e "entrada no primeiro mundo".
Esta mentalidade revela algo profundo sobre certas
camadas de nossas elites: uma síndrome colonial que nunca foi completamente
superada. Há uma preferência psicológica e cultural por ser mordomo de
estrangeiro rico a ser cidadão de país soberano. Preferem ser gerentes locais
da Google a construtores de tecnologia brasileira, distribuidores regionais da
Amazon a criadores de comércio eletrônico nacional. É mais confortável
administrar a colonização digital do que enfrentar o desafio de construir
alternativas próprias.
O anticomunismo obsessivo que caracteriza esse
grupo funciona como uma cortina de fumaça ideológica quase perfeita. Ao criar
um pânico moral constante sobre um "socialismo" que existe mais em
suas mentes que na realidade, conseguem transformar qualquer resistência à
entrega de soberania em "comunismo". A população, atemorizada pela
propaganda, aceita a colonização digital como o menor dos males. E eles se
apresentam como heróis que nos "salvaram" de um destino terrível -
enquanto nos entregam a um destino que pode ser ainda pior.
A ironia histórica suprema é que os mesmos que
acusam a esquerda brasileira de "entreguismo" estão literalmente
entregando o país - só que para corporações privadas em vez de Estados
socialistas. Pelo menos os Estados socialistas eram, bem, Estados. Tinham
territórios, cidadãos, alguma forma de responsabilidade democrática, mesmo que
imperfeita. As corporações americanas para as quais estão entregando nossa
soberania não têm nenhuma dessas características. São entidades puramente
extrativas, projetadas para maximizar lucros para acionistas que vivem em outro
hemisfério.
Quando comparamos concretamente o que fizeram os
governos "socialistas" que tanto criticam com o que fazem os governos
"liberais" que tanto celebram, a contradição fica ainda mais
gritante. Os supostos "comunistas", criaram campeões
nacionais, investiram pesadamente em tecnologia nacional, mantiveram controle
sobre setores estratégicos e negociaram de igual para igual com potências
mundiais. Os "liberais" atuais vendem nossos campeões nacionais para
estrangeiros, entregam setores tecnológicos inteiros para a BigTech americana,
terceirizam nossa infraestrutura mais crítica e agem como administradores
locais de interesses estrangeiros.
A pergunta que não quer calar é: quem é mais
nacionalista nessa equação? Quem efetivamente defende os interesses
brasileiros? Quem constrói soberania e quem a destrói?
Se esses políticos fossem genuinamente liberais,
estariam quebrando os monopólios digitais americanos em território brasileiro,
criando competição real, regulando duramente a extração de dados e investindo
massivamente na formação de alternativas nacionais. Se fossem genuinamente
patriotas, estariam protegendo nossos dados em território nacional,
desenvolvendo tecnologia brasileira competitiva, negociando de igual para igual
com as BigTechs e formando alianças estratégicas com outros países em
desenvolvimento. Se fossem genuinamente conservadores, estariam conservando
nossa soberania nacional, preservando nossas tradições culturais contra a
homogeneização digital e protegendo nossas famílias contra a exploração
algorítmica.
Mas não fazem nada disso. Porque, no fundo, não têm
medo do socialismo. Têm medo de perder relevância num mundo onde o poder real
passou das elites nacionais para as elites globais. Sua estratégia é simples:
se não podem vencer, juntam-se aos vencedores, mesmo que isso signifique trair
o próprio país. São uma versão high-tech dos antigos compradores coloniais que
facilitavam a exploração estrangeira em troca de migalhas - com a diferença
crucial de que os compradores coloniais do século XIX ao menos admitiam
abertamente que trabalhavam para estrangeiros.
Os atuais se fantasiam de patriotas enquanto
entregam a soberania nacional em bandeja de prata. E o fazem gratuitamente, sem
nem ao menos serem bem remunerados pela traição. É quase admirável, de uma
forma perversa, essa capacidade de auto-engano.
Quando nossos netos perguntarem por que o Brasil se
tornou uma fazenda de dados americana, por que nossa juventude teve que emigrar
para trabalhar como programadores para empresas estrangeiras em vez de
construir tecnologia nacional, por que nossa cultura foi homogeneizada pelos
algoritmos californiano, a resposta será simples e melancólica: porque seus
avós tinham tanto medo de um fantasma chamado "comunismo" que entregaram
o país real para corporações estrangeiras reais.
A escolha ainda é nossa, mas a janela de
oportunidade se fecha a cada dia. Podemos escolher entre soberania digital real
ou vassalagem corporativa disfarçada de modernização. Entre construir alternativas
próprias ou administrar eficientemente nossa própria colonização. Entre ser
protagonistas de nossa história ou coadjuvantes na história de outros.
Mas, pelo amor de tudo que é sagrado, paremos de
chamar vassalagem de patriotismo. Paremos de chamar colonização de liberdade.
Paremos de fingir que entregar nossa soberania para corporações estrangeiras é
diferente de entregá-la para Estados estrangeiros - na verdade, é pior, porque
pelo menos Estados têm cidadãos, territórios e alguma responsabilidade
democrática.
A verdade é dura, mas é a única base sólida sobre a
qual podemos construir um futuro digno: somos governados por vassalos digitais
que se fantasiam de patriotas, e enquanto não reconhecermos isso claramente,
continuaremos entregando pedaços de nossa soberania em nome de fantasmas
ideológicos que existem mais em nossas mentes que na realidade.
IA redatora Claude Sonnet 4 Think
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