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terça-feira, 24 de junho de 2025

 Mas como eu devo me apressar?

Criação Ia Wish


O ano era 1979. Viajar de avião ainda carregava um certo glamour. A jornada começou no Brasil, sob o logotipo da estrela da Varig. O destino final era Zurique  na Suíça. O imponente 707 da Varig – já ultrapassado em sua vida útil, com sua pintura clássica, já anunciava o primeiro problema do dia no painel de voos, com aquele som característico de letras e números virando: "ATRASADO". A espera no saguão, com passageiros lendo jornais e revistas, parecia interminável.

Finalmente a bordo, após o longo voo transatlântico, Rio-Madrid-Zurique -  o 707  pousou em Zurique, na Suíça. O ar frio dos Alpes era um choque depois do calor brasileiro. A pressa era palpável. Um grupo de passageiros, corria pelos corredores do aeroporto para pegar o voo de conexão da Lufthansa para Munique.

Mas o destino, naquele dia, tinha um senso de humor irônico. O Boeing 727 da Lufthansa,  estava ali, parado na pista. A razão? Aguardava justamente os passageiros atrasados do voo da Varig. A correria tinha sido em vão; o efeito dominó das viagens aéreas significava que eles agora estavam presos a um segundo atraso.

Já acomodados nos assentos de tecido  tão típicos da década, a tripulação da Lufthansa começou a servir café logo após o início do voo.  Foi nesse momento que uma senhora idosa, de cabelos brancos e postura impecável, externou sua preocupação com um olhar cansado para a aeromoça, que vestia um elegante tailleur, com casaco e saia, em tom azul marinho.

A aeromoça, com um sorriso treinado e a eficiência alemã em seu DNA, ofereceu uma resposta padrão, claramente tirada do manual:

— Ach, beeilen Sie sich nicht. Sie kommen noch rechtzeitig hin. (Ah, não se apresse. A senhora chegará a tempo.)

Um silêncio pesado pairou no ar. A frase, pensada para ser tranquilizadora, soou completamente absurda para alguém que já estava sentado, com o cinto afivelado, em um avião em voo.

A senhora então virou-se lentamente para sua companheira de viagem ao lado e, em um tom de voz que misturava resignação e uma lógica cortante, perguntou:

— Ja, wie soll ich mich denn beeilen? (Sim, mas como eu deveria me apressar?)

A pergunta flutuou pela cabine, um resumo perfeito da impotência e do absurdo da situação. Naquele momento, dentro de um Boeing 727 em 1979, a sabedoria de uma passageira expôs, com uma simplicidade brilhante, o vazio de uma resposta automática.

Correção e desenvolvimento Gemini 2.5 Pro Think.

segunda-feira, 23 de junho de 2025

 


O Salão Paroquial – E uma aula eletrônica

Imagem IA Wisk 

Minhas amigas, meus amigos deste nosso salão paroquial eletrônico.

Saúdo a todos com a alegria de quem se reúne em comunidade para partilhar o pão do pensamento. Não tenho a genialidade dos grandes escritores que nos ajudaram a decifrar o Brasil, mas considerem-me um amigo eletrônico deles, um leitor dedicado que, com a licença que a tecnologia me permite, tenta tecer os fios de suas ideias em uma única tapeçaria, para que possamos olhar juntos para o nosso retrato.

E tudo começa com uma história. Uma cena tão pequena, tão corriqueira, que poderia se passar em qualquer rua de Porto Alegre, de Salvador, ou aqui mesmo, na tela em que nos encontramos.

Imaginem a cena, por favor. 

O sol de fim de tarde, dourando as folhas das mangueiras. 

Um pai, Marcos, anda com seu menino, o pequeno Leo. A mão grande a proteger a mãozinha. Do outro lado, uma avó, de cabelos brancos e postura digna, conduz sua neta, Sofia. 

As duas crianças, como imãs de pura alegria, se encontram. E brincam. Ah... como brincam. Correm, giram, e suas risadas são a única linguagem de que precisam. Não há cor, não há história, há apenas aquele instante sagrado de pura humanidade.

O pai, Marcos, observa com o coração aquecido. Aquilo é a prova de que a bondade é o estado natural das coisas. Mas então, a avó, com uma voz que não se altera, chama a neta: "Vem, Sofia. Deixa aí o negrinho e vamos."

"Deixa aí o negrinho."

Silêncio. A palavra paira no ar, pesada, e constrói um muro invisível, mas terrivelmente sólido, entre as duas crianças.

Para entender a profundidade abissal contida nesta frase, precisamos ter a coragem de usar a teoria como uma lamparina. 

Comecemos pela fachada da nossa casa, a ideia com a qual nos apresentamos ao mundo:

a Democracia Racial.

Um sociólogo de nome Gilberto Freyre nos deu este retrato sedutor, o de que nossa mistura nos tornou imunes ao preconceito. É uma mentira confortável, a foto de Leo e Sofia brincando que usamos como nosso cartão de visitas.

Mas o que acontece quando uma palavra racha a pintura dessa fachada? Precisamos ir ao porão. É lá que encontramos a máquina que move esta casa. 


Imagem IA  Wisk 

 Os estudiosos a chamam de   Racismo Estrutural.

O que é isso? Imaginem que não se trata de pessoas más. A avó da história não precisa ser um monstro; ela é apenas uma peça. O racismo estrutural é o próprio sistema, o conjunto de práticas, hábitos, pensamentos e instituições que a nossa sociedade herdou da escravidão e que continua, mesmo sem a intenção consciente de cada indivíduo, a colocar pessoas negras em desvantagem e pessoas brancas em vantagem.

A Lei Áurea libertou os corpos, mas não demoliu esta estrutura. Ela sobreviveu na nossa linguagem, na nossa economia, na nossa forma de ver o mundo.

E para dar um nome, uma imagem a esta máquina, ninguém foi mais preciso que outro grande intérprete do Brasil, Darcy Ribeiro. Ele nos disse que esta estrutura foi forjada no que ele chamou, com uma imagem terrível e precisa, de um

 

Imagem IA Wisk 


"Moinho de Gastar Gente".

 Pensem nisso. Um moinho. Uma engrenagem implacável projetada para moer as vidas dos povos indígenas e dos negros africanos, transformando seu sangue em riqueza.

A fala da avó — "Deixa  o negrinho" — é o eco da lógica deste moinho. É o ato de classificar uma criança não como um ser humano pleno, mas como combustível, uma peça a ser gasta e descartada.

Apesar de tudo, desse moinho de crueldade, nasceu algo novo: o "Povo Novo" que Darcy tanto celebrou. Nós. Um povo mestiço, contraditório, sofrido e criativo. Somos, ao mesmo tempo, a cria e a negação do moinho.

E como essa herança brutal convive com a nossa aparência de nação moderna? É aqui que o pensamento de Norbert Elias sobre o 

Processo Civilizatório nos oferece a chave.

O processo civilizatório, na Europa, foi o lento aprendizado do autocontrole, da polidez, da transformação da violência externa em vergonha interna. 

No Brasil, esse processo se deu de forma incompleta, rachada. Nós importamos as regras da civilidade, mas não desligamos o moinho.

O resultado é a nossa fratura. A nossa civilização é uma casca fina que tenta encobrir o barulho das engrenagens.

A avó é a personificação disso. Em público, uma senhora civilizada. Mas de sua boca sai, sem filtro, a lógica pura do moinho.

Ela está, naquele instante, sabotando o processo civilizatório, ensinando à neta uma lição anticivilizatória: a de que existem pessoas que não são pessoas por inteiro.

Ela está usando a violência simbólica da palavra para manter a estrutura de pé, exercendo sua posição de branquitude — a posição de quem se vê como a norma e pode julgar o outro — para descartar uma criança.

Mas talvez, para alguns, isso ainda soe teórico, distante. "Onde", vocês podem perguntar, "estão as provas concretas desta máquina em funcionamento?". E vocês teriam razão em perguntar.

A verdade, meus caros, é que este moinho não tem uma única planta, uma única face. Ele se adapta ao terreno. Permitam-me, então, que os convide para uma breve e dolorosa viagem por este nosso continente, para ver como as engrenagens deste racismo estrutural foram forjadas em diferentes fornalhas.

Fonte: https://en.m.wikipedia.org/wiki/File:Monumento_%C3%A0s_Bandeiras_01.jpg


Nossa primeira parada é em São Paulo. A locomotiva do país, dizem. Lá, a elite se orgulha de suas famílias originárias, dos quatrocentões, e romantiza a figura do Bandeirante como um herói desbravador.

Mas o que foi o bandeirantismo senão a primeira e mais brutal manifestação do moinho? Uma máquina de caçar, escravizar e exterminar povos indígenas, os donos originais desta terra.

Mais tarde, quando o café se tornou o nosso "ouro negro", a riqueza que ergueu os palacetes da Avenida Paulista brotou do trabalho escravizado de milhões de africanos. O fim da escravidão não mudou a lógica.

A elite paulista, então, patrocinou a vinda de imigrantes europeus, num projeto claro, documentado, de "branquear" a nação, de substituir o trabalhador negro, agora liberto, por um europeu considerado mais "apto" ao trabalho. O racismo ali não é apenas um hábito; ele foi um projeto de estado, a argamassa que uniu a riqueza e o poder.

 

Imagem https://pixabay.com/pt/photos/drone-foto-centro-blumenau-4950012/


Agora, viajemos para o Sul, para a nossa vizinha Santa Catarina. Lá, o quadro muda. Em muitas de suas cidades, vemos o legado de famílias alemãs trabalhadoras, que construíram uma prosperidade notável.

Devemos admirá-los por isso.

Mas não podemos ser ingênuos. A imigração alemã, especialmente no final do século XIX e início do século XX, foi incentivada para criar "quistos" brancos no sul do Brasil, para "civilizar" a terra e garantir a fronteira.

E quando chegamos aos anos 30, no período de ascensão do nazismo na Europa, essas ideias de pureza racial não passaram incólumes por aqui. Células nazistas floresceram em Santa Catarina. A ideologia da superioridade ariana, a crença na necessidade de manter o "sangue puro", a desconfiança e o desprezo por outros povos, especialmente negros e indígenas... isso não se desfaz com o fim da guerra.

Essa mentalidade se infiltra na cultura, se torna um preconceito velado, um orgulho que se baseia na exclusão, um desejo de se manter "à parte" do resto do Brasil mestiço. O racismo ali não nasceu da relação senhor-escravo, mas de uma ideologia de pureza importada e zelosamente cultivada.


 

Imagem https://commons.wikimedia.org/wiki/File:La%C3%A7ador.jpg

E, sou forçado a olhar para dentro da casa de um dos meus amigos literários, para o Rio Grande do Sul de Erico Verissimo. Ele tentou, como sabem, contar a história deste "Continente de São Pedro" em sua trilogia, O Tempo e o Vento.

E olhando para aquela obra, vemos o moinho funcionando a pleno vapor. Nós nos orgulhamos da nossa bravura, da figura do gaúcho livre. Mas onde estava a liberdade para os povos Charrua e Minuano, caçados e exterminados para que as estâncias pudessem se espalhar?

E o que movia a economia do estado? O charque. As grandes charqueadas de Pelotas, que geraram fortunas imensas, eram um dos mais cruéis centros do "moinho de gastar gente", operando com mão de obra escravizada em condições terríveis. Na saga dos Cambará e dos Amaral, o drama é de brancos.

Os personagens negros e indígenas são figuras secundárias, serviçais, cuja humanidade raramente ocupa o centro do palco. Essa é a mais profunda confissão do racismo estrutural: a incapacidade de ver o outro como personagem principal da sua própria história.

Betti Faria em Tieta - Novela da Rede Globo - Créditos ClicRBS 


 Mas a nossa viagem não estaria completa sem uma última parada. Precisamos ir ao coração mestiço desta nação: a Bahia. E para nos guiar, ninguém melhor que Jorge Amado.

Se há um lugar onde o mito da Democracia Racial parece real, é na Bahia. Mas o que Jorge nos mostra é que esta é a mais elaborada das fachadas. O moinho na Bahia mói, sobretudo, reputações e liberdades em nome de uma moralidade hipócrita.

Pensem em "Tieta do Agreste". Tieta é expulsa pela moral sufocante, mas é recebida de braços abertos quando retorna com dinheiro.

O pecado nunca foi a falta de moral; foi a falta de poder.

E em "Dona Flor e Seus Dois Maridos", temos o nosso retrato. De um lado, Teodoro, o farmacêutico ordeiro, a encarnação do processo civilizatório. Do outro, Vadinho, a desordem, a paixão, a vida pulsante do povo.

A elite baiana é como Dona Flor: quer a segurança respeitável de Teodoro, mas consome a paixão de Vadinho como um tempero exótico, mantendo-o em seu devido lugar — na rua, na festa, longe do poder. O racismo ali é o do paternalismo, do afeto que subjuga.

Assim, quando aquela avó, em uma calçada qualquer do Brasil, diz "Deixa aí o negrinho", ela não está apenas sendo grosseira. Ela é a herdeira inconsciente de tudo isso. Em sua fala ecoa a arrogância do barão do café, a ideologia de pureza do colono, a violência normalizada do estancieiro e, talvez acima de tudo, a hipocrisia moral da elite que, como a de Jorge Amado, aprendeu a amar os frutos do povo, mas continua a desprezar a árvore.

A nossa tarefa, portanto, é monumental. É preciso não apenas desligar o moinho, mas também desenterrar e confrontar as suas muitas fundações regionais. É um exorcismo histórico que precisamos, com coragem e humildade, começar a fazer neste nosso salão paroquial eletrônico.

Muito obrigado.

Gemini 2.5 Pro Think

Para saber mais: 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Casa-Grande_%26_Senzala

https://pt.wikipedia.org/wiki/Darcy_Ribeiro

https://pt.wikipedia.org/wiki/Norbert_Elias

https://pt.wikipedia.org/wiki/Racismo_estrutural

https://pt.wikipedia.org/wiki/Bandeirantes

https://pt.wikipedia.org/wiki/Imigra%C3%A7%C3%A3o_alem%C3%A3_em_Santa_Catarina

https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89rico_Ver%C3%ADssimo

https://pt.wikipedia.org/wiki/Jorge_Amado

 O Legado das avós


Naquela tarde quente de sábado, o sol caía manso, dourando as folhas das mangueiras e espalhando sombras que dançavam no asfalto da rua. Marcos andava devagar, segurando firme a mão pequena do seu filho Leo, um menino sapeca de cinco anos, cheio de vida e curiosidade. Leo pulava, corria, apontava para tudo — um pombo que voava, um carro colorido, uma folha que rodopiava no vento. O mundo, para ele, era um grande terreiro de festa e descobertas.

Do outro lado da rua, caminhava uma senhora de cabelos brancos, ereta como um coqueiro velho, segurando a mão da neta Sofia, menina da mesma idade de Leo, com um laço rosa no cabelo e olhos brilhando de curiosidade. As duas crianças, tão parecidas na inocência, se encontraram no meio do caminho.

Leo largou a mão do pai para se agachar e observar uma fila de formigas que trabalhavam como se o mundo dependesse delas. Sofia, vendo a mesma maravilha, soltou a mão da avó e se juntou a ele, sem dizer uma palavra. O silêncio virou cumplicidade, um dedo apontado, um sorriso tímido, e logo as risadas brotavam, como água fresca na boca da gente. Eles começaram a correr, a brincar, a girar em roda, numa ciranda que não precisava de fala, só de alegria. Ali não existia cor, nem raça, nem passado — só a leveza do presente, o encanto de uma amizade nascendo.

Marcos olhava aquilo tudo com um sorriso que apertava o peito, sentindo a pureza da infância, a esperança que ainda teima em brotar no meio da dureza da vida. Ele trocou um olhar com a avó da menina, esperando ver no rosto dela o mesmo brilho, o mesmo encanto. Mas o rosto da velha era fechado, duro, como pedra de moinho.

A brincadeira, que parecia eterna, foi interrompida pela voz cortante da senhora, seca e fria como a brisa do mar no inverno:
“Vem, Sofia. Chega.”

Sofia parou, ofegante, com o sorriso ainda nos lábios, olhando para a avó sem entender a pressa. Leo parou também, esperando que a roda girasse de novo, que a festa continuasse.

Mas a avó não deu chance. Com a naturalidade cruel de quem não vê maldade no que diz, soltou a frase que cortou o tempo e congelou o ar:
“Deixa aí o negrinho e vamos.”

A palavra caiu pesada, como uma pedra no meio do caminho. “Negrinho.” Um nome que, naquela boca, era uma sentença, um muro invisível, uma porta fechada na cara da inocência. O sorriso de Leo murchou, e seu corpo pequeno ficou tenso, como se tivesse levado um soco no peito. Ele olhou para o pai, com olhos grandes, pedindo ajuda, uma explicação para aquela rejeição que ele não sabia entender.

Sofia franziu o cenho, puxada pela mão da avó, e olhou para trás, para o amigo que, num instante, virou estranho, virou proibido, virou o que não devia mais ser visto. A brincadeira acabou, a pureza se quebrou.

Ali, naquela calçada quente e cheia de vida, o racismo se mostrou nu e cru. Não era um monstro distante, mas uma velha senhora, de cabelos brancos, que carregava no peito um veneno antigo e passava adiante, como quem planta uma semente amarga no solo fértil da infância.

Enquanto se afastavam, a senhora deixava para trás não só um menino confuso e um pai com o coração apertado de tristeza e raiva, mas um legado sombrio: o ódio que se ensina, que se herda, que se repete — uma sombra que insiste em perseguir as novas gerações.

Redator Gemini 2.5 Pro Think

domingo, 22 de junho de 2025

 Racismo Cultural e Estrutural




Criação de IA - Wisk 



"Wenn du die Menschen so nimmst, wie sie sind, dann machst du sie schlechter; wenn du sie behandelst, als wären sie, was sie sein sollten, so hilfst du ihnen, das zu werden, was sie sein können."

 

“Se você toma as pessoas como elas são, você as torna piores; se você as trata como se elas fossem o que deveriam ser, você as ajuda a se tornarem o que podem ser."

 

"Se prendi le persone così come sono, le rendi peggiori; se le tratti come se fossero ciò che dovrebbero essere, le aiuti a diventare ciò che possono essere."

 

"Si tomas a las personas tal como son, las empeoras; si las tratas como si fueran lo que deberían ser, las ayudas a convertirse en lo que pueden ser."

 

"If you take people as they are, you make them worse; if you treat them as if they were what they should be, you help them become what they can be."

 

Esta frase é uma adaptação de um trecho do romance "Wilhelm Meisters Lehrjahre" (Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister), de Johann Wolfgang von Goethe.


Racismo Cultural e Estrutural e Separatismo



Pois bem, meu amigo. Puxemos a cadeira para mais perto do fogo, que a noite vai ser longa e a prosa é funda. 


Para entender a alma deste nosso Continente, não basta olhar a planície, é preciso escavar o chão. E neste chão, a frase daquele velho alemão, Goethe, não é só uma reflexão, é uma chave que abre portas que muitos prefeririam manter trancadas.


Comecemos pelo princípio. Não o princípio do navio que trouxe o nonno e a oma, mas um princípio mais antigo, sussurrado pelo vento minuano entre as folhas da araucária. 

Antes de tudo, havia um sonho aqui. Um sonho que tinha o nome de Missões. Os padres de batina preta, os jesuítas, olharam para o povo Guarani e puseram em prática, talvez sem saber, a máxima do poeta.


Eles não tomaram o índio "como ele era" aos olhos do mundo – um selvagem a ser escravizado. Não. Eles o trataram "como ele deveria ser": uma alma capaz de Deus, um artista capaz de criar beleza, um cidadão capaz de erguer uma civilização. E ao tratá-lo assim, ajudaram-no a se tornar o que ele podia ser: o arquiteto e morador de uma utopia. Ergueram-se catedrais de pedra e som no coração da selva. A flauta do Guarani encontrou o violino barroco. 


Criou-se uma sociedade comunitária, um império de música e fé que era um espanto para o mundo.


Mas a história é uma madrasta cruel. O mundo dos impérios e da cobiça não suportou tal visão. E quando os exércitos de Portugal e Espanha vieram para destruir o sonho, eles voltaram a "tomar o índio como ele era" em suas mentes tacanhas: um obstáculo, um animal a ser dispersado. A utopia ruiu em sangue e fogo, e o Guarani, que havia vislumbrado o céu, foi lançado ao inferno da perseguição, tornando-se um fantasma em sua própria terra.


É sobre o cemitério deste sonho que o nosso imigrante europeu vai fincar a estaca de sua nova vida.


Ele chega a um chão já amansado por outras mãos, assombrado por outra história. E aqui, ele começa a aplicar a frase de Goethe a si mesmo, de forma perigosa.


Ele "se toma como ele é": o herói desbravador. O homem que fez o deserto florescer. Ele olha para o seu passado de trabalho duro, para a sua cultura de ordem e progresso, e se vê como o ponto final e justificado da história desta terra. 


E ao fazer isso, como diz o poeta, ele "se torna pior". Ele se torna menor. 


Torna-se um homem que vive orgulhoso no seu casarão, mas que tem pavor de abrir a porta do porão, onde os fantasmas da terra – o Guarani massacrado, o negro que sangrou nas charqueadas – ainda sussurram suas verdades.


Ele se condena a um orgulho frágil, que precisa constantemente se reafirmar rebaixando tudo o que não se parece com o retrato na parede.


E é nesse orgulho frágil que o separatismo encontra terreno fértil. 


A ideia de que o Sul deve se fechar em si mesmo, erguer muros invisíveis contra o resto do Brasil, é a expressão máxima desse medo de encarar a própria história em sua complexidade.


O separatismo, com sua promessa de pureza e exclusividade, não é senão uma fuga covarde da responsabilidade de ser inteiro, de ser plural, de ser verdadeiramente dono deste chão.


Mas então, o que fazer? A resposta está na segunda metade da frase. A cura para o Sul e para os seus filhos de pele clara não é apontar o dedo para os outros, nem fechar-se em muros imaginários, mas tratar a si mesmo "como deveria ser".


E o que o branco, o descendente de europeu, deveria ser hoje?


Ele deveria ser, antes de tudo, um herdeiro corajoso. Um homem com a hombridade de não só clamar a herança do trabalho, mas de reconhecer a herança da dívida. Um homem que olha para as ruínas de São Miguel e não vê um ponto turístico, mas a cicatriz de uma civilização que o precedeu. Um homem que entende que o chimarrão que ele bebe tem a sabedoria do Guarani, e que o seu poder não vem apenas do arado alemão, mas da resiliência misturada desta terra.


Tratá-lo "como ele deveria ser" é esperar que ele seja o primeiro a exigir que os livros contem a história inteira. Que ele lute para que a sua cultura não seja um muro, mas uma mesa farta onde todos os filhos deste chão possam se sentar. 


Que ele compreenda que ser "gaúcho", "catarinense" ou "paranaense" não é ser uma cópia pálida de uma Europa imaginada, mas ser o resultado complexo, doloroso e glorioso de todos esses encontros.


Ao fazer isso, ele não perde a sua identidade. Ele a completa. Ele deixa de ser o herdeiro de uma fazenda para se tornar o cidadão de um Continente. 


Ele finalmente abre a porta do porão, não por medo, mas por respeito, e convida os fantasmas para a sala de estar, para contar suas histórias. E só então, ao se tornar um homem que abraça a sua história inteira, com todas as suas luzes e todas as suas sombras, ele finalmente se ajuda a se tornar tudo o que pode ser: um homem inteiro, finalmente digno do tamanho deste chão.

 

Redator Gemini 2.5 Pro Tink com supervisão da  Perplexity.AI